Continuemos a análise da espantosa e fulminante derrota da França, em 1940, esmagada pela Blitzkrieg (guerra relâmpago) nazista.
O comando supremo das Forças Aliadas franco-inglesas estava confiado ao General Maurice Gamelin (1872-1958), que se portara com brilho durante a Primeira Guerra e havia, durante 5 anos, de 1919 a 1924, chefiado no Brasil a Missão Militar Francesa. Gamelin, entretanto, não estava à altura da situação. Não era líder no sentido próprio do termo, tinha dificuldade de se comunicar com seus homens, passava a maior parte do tempo distante do front, desentendeu-se com os comandos britânicos aliados, envolveu-se em disputas com meios políticos da própria república francesa. Estava, ademais, muito desatualizado, não compreendendo o papel preponderante que, na guerra moderna, tinham os blindados e as forças aéreas. Na sua ótica, o sucesso da guerra era, sobretudo, dependente da infantaria, que deveria marchar a pé para, pouco a pouco, ir assegurando a posse do terreno. A artilharia, os blindados, os aviões, eram somente auxiliares da infantaria. Tinha, ainda o grave defeito de ser centralizador em excesso e dar pouca autonomia aos comandados, acrescido da idiossincrasia de não gostar de comunicações por rádio (já generalizadas na época), preferindo comunicar-se por ultrapassadas linhas telefônicas.
No que diz respeito ao armamento, a máquina de guerra francesa estava bastante desatualizada, pois tinha sido montada na perspectiva estratégica de uma guerra defensiva, com predomínio da infantaria. Não estava habilitada a deslocamentos rápidos e eficazes, a nada que se parecesse com a formidável Blitzkrieg germânica. Os ingleses estavam menos desatualizados que os franceses, mas na velha Britânia também o pacifismo havia feito suas devastações, de modo que seu armamento era sensivelmente inferior ao alemão. Durante três anos, a Inglaterra fora governada pelo ultrapacifista Neville Chamberlain, o qual, na frase irônica de Churchill, era tão manso que bem podia ser definido como “um cordeiro com pele de cordeiro”.
O comando aliado considerava os tanques apenas como suporte de apoio para a infantaria. Um projeto de revitalização dos blindados franceses, elaborado no início do conflito pelo Coronel Charles De Gaulle, foi rejeitado pelos seus superiores, como ele mesmo relata nas suas “Mémoires de Guerre” (Paris: Plon, 1954). Numericamente, os alemães tinham o dobro dos tanques franceses, e do ponto de vista técnico, possuíam tanques superiores, mais rápidos e eficientes.
Os aliados dispunham de um total de 3100 tanques, mas dispersos pelas divisões de infantaria dispostas ao longo da imensa frente. Os franceses possuíam 740 caças e 140 bombardeiros, e os ingleses tinham, na França, 350 aviões. Os aviões também estavam dispersos pelo imenso front, assim como os tanques, impossibilitados de se concentrarem de modo eficaz, para atingirem um objetivo determinado. O principal tanque francês, o Renault-1935, era muito lento. Havia 855 deles. Só serviam para acompanhar a infantaria, a uma velocidade pouco maior do que o passo humano. Não eram aptos à mobilidade rápida. Acresce que, nesse tanque, o mesmo oficial que o comandava também disparava seu canhão e operava a comunicação por rádio.
Os britânicos possuíam um ótimo tanque, o Cher B1-Bis, superior em blindagem aos tanques alemães e armado de dois canhões giratórios de grande eficiência. Poderia ter sido eficiente arma de guerra, mas foi mal utilizado pelo comando aliado e pouco serviu para conter a Blitzkrieg. Os ingleses também possuíam outro modelo de tanque, o Matilde II, com avanços tecnológicos notáveis para a época, tendo até mesmo uma torre móvel por sistema hidráulico. Era blindadíssimo e superprotegido, mas movia- -se com extrema lentidão. Correspondia perfeitamente ao conceito de blindados como meros suportes de apoio para a infantaria.
Mesmo desatualizada, a máquina de guerra aliada ainda era muito poderosa e, se bem conduzida, poderia ter obtido resultados notáveis. Mas, devido ao fundamental erro da concepção estratégica, aviação e blindados se encontravam dispersos por toda imensa linha de frente, sem coordenação eficaz e sem a menor possibilidade de atuação dirigida e convergente nos pontos nevrálgicos.
O exército francês, que tinha sido nos anos 1920 o mais formidável da Europa, em 1940 estava muito longe disso. O pacifismo dominante havia feito devastações, forçando ao corte de verbas e reduzindo o recrutamento. A depressão econômica dos anos 30 favoreceu a redução de verbas para a manutenção do exército francês, que também não estava com moral elevado. Os soldos eram baixos e pagos irregularmente. Não havia motivação nem disciplina. O alojamento e a alimentação das tropas eram deficientes. Não havia boa comunicação entre praças e sargentos e seus oficiais, assim como entre os oficiais e o alto comando. Em suma, tudo aquilo que faz um exército se tornar eficiente e motivado faltava ao exército francês. Para cúmulo dos males, durante os meses da “drôle de guerre”, um inverno rigorosíssimo favorecera a indisciplina e o relaxamento. A estratégia passivo-defensiva, adotada pelo alto comando, se traduzia, no corpo da tropa, num espírito de inércia e baixa combatividade. Estavam reunidas todas as condições para o fracasso no campo de operações militares.
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