ARTIGO

O hábito da verdade

Por Rubinho Vitti | 04/03/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Outro dia, uma amiga minha estava desabafando sobre uma situação de sua família. A mãe havia encaminhado uma mensagem para ela no WhatsApp com uma imagem e um texto tentando provar que o presidente do Brasil, Lula, e Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, haviam morrido e outras pessoas, maquiadas ou usando máscaras, atuavam no lugar deles.

A teoria era tão estúpida e com um amadorismo tão vulgar que, ao olhar de longe, podia-se perceber que era falso. Imediatamente eu ri (alto), mas ela permaneceu com um sorriso amarelo e disse: “É sério!”.

“O que? Sua mãe acredita mesmo nessa história?”.

Ela acenou com a cabeça que sim, seguindo com outros relatos sobre o que a mãe insiste em acreditar e tenta convencê-la. Fiquei com pena de vê-la, sem sucesso, tentar mostrar para a mãe que era tudo mentira!

Temos visto muitos destes tipos de história onde há uma espécie de lavagem cerebral em pessoas comuns.

Aquelas que nunca estiveram em partidos políticos ou seguiram a política pelo noticiário, e que talvez nunca, de fato, votaram nas eleições. Ou, se o fizeram, foi por indicação de amigos e parentes.

Ou seja, são pessoas que não têm ligações profundas com extremismos, mas que acabam sendo manipuladas por uma onda de desinformação e crença. Aliás, parece que nunca foi tão fácil acreditar em mentiras, não é mesmo?

Muitas dessas pessoas estavam em Brasília no dia 8 de janeiro, levadas lá no meio deste imbróglio. Cometeram crimes por acreditar que seguiam pessoas “de bem”, catequizadas pelo ódio por líderes religiosos e políticos, os mesmos que argumentam ser o errado o certo a fazer.

Outro dia, li um artigo de um filho que conta sua saga para tirar seus pais da prisão, em Brasília, após os ataques golpistas. E como os pais, mesmo em uma situação de vulnerabilidade, continuaram acreditando em seus líderes, que dificultavam a comunicação com a família.

O pobre rapaz, desesperado, apenas queria seus pais de volta para casa. Ao voltarem, nem olharam para a cara dele.

Trabalhando com jornalismo digital ultimamente, tenho sentido de perto também o negacionismo pela informação apurada por veículos de comunicação.

Nós, jornalistas, sabemos bem como é importante encontrar um fato e apurá-lo com um critério de responsabilidade que juramos levar para o resto das nossas vidas. Mas no mundo digital, o feedback é imediato.

E lá vem os senhores da razão e seus comentários típicos de especialistas em tudo, querendo desdizer o que escrevemos, mesmo que tenhamos utilizado fontes oficiais, especialistas, mestres no assunto e qualquer dado relevante.

É sempre “tudo balela”, “tudo comprado”, “tudo ideologia”. A realidade está cada vez mais turva nos olhos das pessoas -- e nem todas já estão com catarata, viu?

Garanto que se gravássemos o Lula tirando a digital ou fazendo um teste de DNA para provar que ele é mesmo quem diz ser, a mãe da minha amiga, ainda assim, acreditaria na palavra do pastor e continuaria duvidando que o presidente é ele mesmo.

A verdade é cada vez mais uma ferramenta de poder nesta Guerra de Narrativas.

Se antigamente bastava entrevistar um matemático renomado para garantir que “2 + 2 = 4”, hoje é necessário mais. Os veículos precisam publicar uma checagem de fatos para dizer que a notícia compartilhada pelas redes sociais de que “2 + 2 = 5” é falsa!

Nunca foi tão importante checar as notícias. Não apenas por nós, jornalistas e profissionais da comunicação. É preciso que o cidadão comum tenha o interesse de pesquisar e entender se o conteúdo recebido na tela do celular foi de fato apurado e tem fontes confiáveis.

Será que um dia vamos ter esse hábito de buscar a verdade?

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