Artigo retirado da Revista PSI nº 201, novembro 2022. Acompanhem:
A Psicologia, como Ciência e Profissão, se desenvolve na defesa dos Direitos Humanos ao mesmo tempo em que sua história é marcada por profundas contradições. Vimos a profissão servindo, ao longo do tempo, de instrumento de dominação, classificação e hierarquização social, reforçando estereótipos e preconceitos causadores de sofrimentos nas pessoas e fortalecendo estruturas sociais de exclusão.
Quando pensamos sobre o que constitui os sujeitos e suas subjetividades, logo nos deparamos com profundas facetas do processo de construção das identidades. Nossa cultura tem imposto e afirmado modelos cisheteronormativos que, historicamente, como efeito, estigmatizam e patologizam grupos sociais que se afastam destas características, produzindo dor, preconceito e violência, ferindo a dignidade humana e gerando sofrimentos.
Nessa dinâmica, temos a pessoa intersexo como a que possui características sexuais congênitas que não se enquadram nos padrões sociais de homem e mulher num conjunto amplo de variações de corpos masculinos e femininos que criam riscos de discriminação e estigma.
“Realizamos a escuda de psicólogas e psicólogos sobre dificuldades que enfrentam com casos de pessoas intersexo que chegam ao atendimento, ainda mais considerando que a temática não fez ou faz parte da formação destes profissionais. Evidenciamos a necessidade de elaboração de um material de referência", destaca Thais Emília de Campos dos Santos, presidente da ABRAI – Associação Brasileira Intersexos.
O CRP SP tem recebido diversas denúncias de pessoas atendidas por profissionais de Psicologia que desconsideram esta condição de vida, promovendo situações de agravamento do sofrimento e sendo incentivadoras de mutilações não justificáveis. A Psicologia tem o compromisso ético com todas as formas de existência humana e deve contribuir para a qualidade de vida dos sujeitos e coletividades. Assim, nos cabe a escuta das pessoas atendidas sem julgamentos prévios e sem ferir suas existências.
Confira alguns dos principais pontos trazidos na nota:
A atuação psicológica não deve se orientar, de forma alguma, por um modelo patologizado ou corretivo da intersexualidade e de outras vivências intersexo, nem orientar designação e cirurgias afirmativas de gênero para mães/demais familiares/responsáveis de bebês intersexo, e sim atuar como ferramenta de apoio à construção da autonomia do sujeito, de modo a ajudá-lo a certificar-se da autenticidade de sua demanda, englobando todo o seu contexto psicossocial.
Deve-se respeitar o reconhecimento social da pessoa intersexo, o que envolve sua autoidentificação quanto aos pronomes, artigos e nome.
A intersexofobia é um tipo de preconceito e de discriminação semelhante ao racismo, sexismo e à homofobia. Refere-se a um conjunto de atitudes negativas, sentimentos ou ações contra pessoas intersexo ou em direção à intersexualidade. Pode envolver manifestações de repulsa emocional, medo, violência, raiva ou desconforto sentidas ou expressas em relação às pessoas intersexo.
A/o psicóloga/o deverá valer-se de pesquisas e estudos com conteúdo de relevância biopsicossocial e culturais na área de gênero e sexualidade na busca de respaldo teórico para entendimento do contexto social, para além da compreensão corponormativa, heterocisnormativa e endosexo.
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