Quantos sabem ter sido, em seu nome religioso, do Menino Jesus? Quantos conheceram esta escolha, para enfatizar ainda mais o Amor Divino palpitando em seu coração? Quantos poderiam ter, como Hermínia Maria, sobrenome tão adequado para quem, com humildade e delicadeza, era íntegra e justa? Irmã legítima do Menino Jesus, herança viva do Amor Divino.
Eu a conheci pequeno, tão logo chegou a Rio Claro. Frequentava, com minha mãe, que amava sua escola, a instituição a que veio, num tempo em que a grande maioria das religiosas eram professoras, com estilo e porte professoral de excelência, conhecimento e fundamentação pedagógica referendados.
Nesta época, os pais tinham este cuidado desmedido: verificar se havia, no ambiente escolar, quem, de fato, transitasse por caminhos traçados por filósofos de Educação o que exige da escola e seus dirigentes atuar com correção quando, sabendo deles, reconhecem seus pensamentos na condução de seus alunos pelos caminhos do aprendizado.
Numa escola moldada em linhagem piagetiana capaz de permitir a seus professores apresentar situações-problemas que dão ao aprendiz luz ao fazer sua travessia e nela encontrar, inúmeras possibilidades de criar, produzir, construir o futuro de acordo a suas aptidões.
Num ambiente assim, naqueles idos, a professora e religiosa encontrou na sua disciplina, Música, a essência do que buscava. Estimular seus alunos no uso dos sentidos despertando habilidades tais que lhes permitissem observar, compreender, descrever e representar o que o som, o tom, a letra da canção oferecesse para fazer melhor o entendimento do mundo.
Ao conhecer irmã Hermínia Maria do Menino Jesus ou do Amor Divino, ou de ambos, sem saber, pude entender quanto, aprender se ligava à boniteza e à alegria da vida. Sua disciplina ajudava a percorrer este caminho. Convicta de seu compromisso com o alunado, revelava à perfeição seu interesse em despertar valores que, passados anos, se revelam em quem teve a bênção de sua palavra e de suas mãos.
Não fui seu aluno, mas sempre participei do resultado deste trabalho assistindo às apresentações de seus conjuntos musicais, dos corais que criou, de sua presença em celebrações, fazendo das missas, nas canções escolhidas, culto irrepreensível de celebração da Paz e do Amor a Deus. Pequenina, frágil na aparência, delicadíssima no trato com o semelhante, se agigantava onde surgia, exatamente por ser assim, digna e humana.
Distanciei-me da cidade em que vivíamos, mas não me separei jamais do quanto fazia em favor da cultura. Num tempo em que havia desfiles cívicos, suas meninas marchavam ao som de marimbas e outros tantos instrumentos de percussão, oferecendo aos espectadores espetáculo de civismo com delicadeza e beleza inigualáveis.
A organização nestes desfiles era tanta que bastava tão somente sua presença delicada e serena, agigantada nas virtudes, em seu hábito religioso, discretamente ao lado do grupo expressivo de alunos, para um marchar impecável no toque musical e na marcha.
Passados anos, pude reencontrá-la, na mesma escola, com igual entusiasmo, com seus conjuntos musicais, garantia de qualidade por onde passavam. A mesma pessoa, a mesma professora, a mesma regente, o mesmo talento, igual elegância.
Dela, não esquecer jamais: palavra sábia, bem pensada, justa. Hermínia Maria, quem a conheceu reconhece comigo, compõe com outras tantas mulheres da região e do Estado, a imagem de um tempo de presença cultural inigualável do interior, no cenário paulista.
Dela, a lembrança do Canto Orfeônico, impecável; mais tarde, do Melo-ritmico, conjunto musical inesquecível, desfiando canções da música popular e do folclore brasileiro. Este, por sorte, deixou discos gravados e vez por outra ainda se reúne e canta, como agora, emocionante presença, em sua despedida. E o Coral Infantil, inesquecível e inigualável.
Discreta, elegante, a regente não se apresentava à frente de seu grupo. Quando jovem, dava a suas professorandas a primazia de entoar canções que ensinara, observando à distância a riqueza da apresentação delas. Atitude notável! Prova inequívoca de grandeza! Com o Melo-Rítmico, igual comportamento, que se repetia com o Coral Infantil. Não se ouvia sua voz. Um sopro. Um ciciar. A mão, discretamente se movia orientando a divisão da pauta musical, a cadência do compasso. Por certo, repetia a Mãe, a sua mãe, cantando ao embalar seu berço.
Sua serena passagem para a espiritualidade no último dia 19, permite entender o apreço do Espírito de Amor de Deus, por ela.
Desde a madrugada do último domingo/ silêncio entre notas musicais./
A escala truncou-se ou silencia?
Naquela manhã, ao armar-se/ Nuvens pesadas/ Pássaros em silêncio. Nas igrejas, órgãos emudecidos/ pessoas caladas/ parecia não haver quem anunciasse o novo dia.
De repente/ Um coro de anjos/
Diz que céu sem luz, nuvens acinzentadas/ são mostra aparente de tristeza.
No recanto de Deus/ muita alegria. Entre aleluias e hosanas/ o céu, em festa, faz soar trombetas e anuncia quem chegou.
Deus, solenemente, pronuncia: "Entre nós, a delicadeza, a prudência, o som e o tom de Hermínia Maria!!"
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