ARTIGO

A queda da França

Por Armando Alexandre dos Santos | 27/02/2023 | Tempo de leitura: 4 min

O jornalista e historiador norte-americano William L. Shirer (1904-1993) escreveu uma obra clássica em três volumes, intitulada “A queda da França - O colapso da Terceira República”. Também escreveu “Ascensão e queda do Terceiro Reich”, em quatro volumes. Tendo residido em Paris e em Berlim durante toda a década de 1930, como correspondente dos jornais Chicago Tribune e New York Herald Tribune, Shirer presenciou pessoalmente a ascensão do Nazismo e, simultaneamente, a fase final da decadência da Terceira República francesa. Com base nos apontamentos tomados “in loco”, pôde mais tarde redigir as duas referidas obras. Ambas foram traduzidas e publicadas no Brasil, mas “Ascensão e queda do Terceiro Reich” é bem mais conhecida entre nós do que a primeira, que estamos focalizando neste artigo.

Em 1940, ainda no início da Segunda Guerra, o poderoso exército da França foi fulminantemente derrotado pela Blitzkrieg (guerra relâmpago) alemã. A rapidez espantosa dessa derrota chocou todos os contemporâneos e ainda hoje é estudada nas academias militares e nos cursos de História Militar de todo o mundo. A blitzkrieg era um conceito tático que se revelou muito eficaz, em perfeita coerência com o conceito estratégico de guerra total, desenvolvido e praticado pelos alemães. Somente num clima de guerra total, com envolvimento maciço de todas as forças nacionais, a Alemanha conseguiu, no curto espaço de quatro anos (1935-1939), constituir a mais formidável máquina de guerra que até então a humanidade conhecera, com milhares de tanques e aviões de combate ultramodernos e prontos para a luta.

Estrategicamente, a Alemanha procedera com grande habilidade. O Partido Nacional Socialista subira ao poder em 1933. Dois anos depois, em março de 1935, a Alemanha rejeitou oficialmente o Tratado de Versalhes, de 1919, no que dizia respeito a restrições ao rearmamento alemão. Até então, numericamente o contingente militar alemão era muito limitado por imposição das potências vencedoras da Primeira Guerra. Mas a Alemanha tinha, hábil e astutamente, montado um exército pouco numeroso, mas constituído por homens com ótima formação de oficiais. Quando denunciou o Tratado de Versalhes, rapidamente procedeu ao recrutamento maciço da população e, em poucos meses, tinha milhões de homens em armas. O mais difícil, ou seja, a formação dos quadros de oficiais, já tinha sido feito na surdina.

Em oposição ao brilhante pensamento estratégico alemão, que era todo ele baseado na agressividade, na ofensiva rápida e total, o pensamento estratégico francês se baseava na defensiva, na passividade, quase na inércia. Por trás dessa opção francesa estava uma posição psicológica. A Primeira Guerra fora tão terrível que muita gente preferia acreditar que jamais ocorreria outra grande guerra. Cândida e ingenuamente, acreditavam que o mundo estava “vacinado” contra novas conflagrações. Essa mentalidade pacifista prevaleceu na França, nas décadas de 1920 e 1930, e também na Inglaterra exerceu considerável influência. Num curioso fenômeno de “wishful thinking”, os franceses médios chegaram a acreditar sinceramente nessa utopia. O pensamento estratégico francês, que conduziu a França ao colapso de 1940, correspondia a essa mentalidade. Foi nesse contexto que se criou a Linha Maginot, uma formidável linha de defesa que defendia a França de invasões do Leste, estendendo-se por mais de 400 km, desde a fronteira da Suíça, ao Sul, até os limites de Luxemburgo, ao Norte, onde a floresta das Ardenas parecia constituir um obstáculo intransponível para o deslocamento maciço de tropas, especialmente se motorizadas.

O pacifismo tolo permitiu que Hitler se armasse, se fortificasse cada vez mais e, por fim, escolhesse, ele mesmo, o momento que lhe fosse mais conveniente para desencadear a guerra. Declarada esta em 3/9/1939, seguiram-se os nove meses de luta na frente oriental, nos quais a Alemanha, com o apoio de Stalin (que depois passaria por “herói” antinazista, mas na realidade deu total apoio a Hitler na fase inicial da Guerra, como já dera anteriormente, na fase dissimulada de rearmamento alemão), deglutiu a Polônia e dominou os países escandinavos.

Nesses meses, enquanto a Alemanha estava empenhada na frente oriental, na frente ocidental ocorreu a chamada “drôle de guerre”, um simulacro ou fingimento de guerra. Foi um tempo precioso que a França deveria ter usado para se preparar convenientemente para a guerra. Mais do que isso, nessa fase inicial da guerra, deveriam os aliados ter tomado a ofensiva. Mas o pensamento estratégico errado fez com que esses meses fossem perdidos. A França continuou mantendo-se atrás da sua linha Maginot, julgando-se protegida por ela. Esqueceu que os alemães poderiam fazer de novo exatamente o mesmo que haviam feito em 1914 - ou seja, dar a volta pela Holanda e pela Bélgica e invadir o território francês pelo Norte. E esqueceu que uma linha defensiva tão extensa poderia ter sido eficiente em outras circunstâncias históricas, mas não oferecia grandes defesas contra modernos bombardeios da Luftwaffe e poderia, também, ser facilmente ultrapassada pelo adversário se este aerotransportasse suas forças.

 Estavam reunidas todas as condições para que a França caísse, como caiu, “como um patinho”... Exatamente como previa e queria Hitler.

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