ARTIGO

Quarta-feira sempre desce o pano

Por David Chagas |
| Tempo de leitura: 4 min

Como faço? Onde buscar refúgio se por todo lado, sorrateiro, o mal caminha, pronto a dar seu bote? Difícil, hoje, lidar em favor da dignidade e do bem servir.

Em tempos outros, talvez fosse mais fácil acreditar que “ser grande é ser inteiro/ nada teu exagera ou exclui”. Difícil encontrar quem é todo em cada coisa; quem põe quanto é no mínimo que faz.

Cresci. Aos dezoito anos, no despontar dos setenta, século passado, forjando a maturidade, fui, nos primeiros dias de vida universitária, sobressaltado, com a presença de cassetete e coturno em ostensiva ronda nos caminhos que me levariam à Casa do saber e da esperança.  Violentos, muitos, soube, depois, cumprirem ordem superior à cata de livros de nome suspeito, capa vermelha, homens sugerindo comportamento distinto do determinado pelo regime imposto, mulheres que exagerassem no uso da cor ao pintarem lábios ou usando vestimentas íntimas em igual tom.

Não suponham tente criar histórias. Estes episódios fizeram parte do país em tempos obscuros e criaram imagem achavascada do Brasil, por todo o mundo.

O dramaturgo alemão, Bertold Brecht ensinara, mas nem todos entenderam: “Primeiro levaram os negros/

Mas não me importei com isso./  Eu não era negro./ Em seguida levaram alguns operários./ Não me importei com isso./

Eu também não era operário.

Depois prenderam os miseráveis./ Mas não me importei com isso/ Porque não sou miserável.

Depois agarraram uns desempregados/ Mas como tenho meu emprego/ Também não me importei.

Agora estão me levando/ Mas já é tarde./ Como eu não me importei com ninguém/ Ninguém se importa comigo.”

Pelos brasis todos, situações assim se repetiram. Onde falta escolas e Educação de qualidade, sobra estupidez. Esse desentendimento acerca de ideologias aqui e ali disseminadas com divulgação equivocada, fomenta interpretações erradas.

 Nunca me deixei envolver por conversas desta ordem. Nem por isso, escapei do horror que moldava espíritos menos preparados. Tive o privilégio de leituras, conversas em diferentes tons, seis pessoas alimentadas pela luz que ilumina e salva, no lar. Contei com professores de porte e orientação sábia.

Lembro-me perfeitamente no colegial, de professores pedagogicamente preparados. Cida Bilac, mestra, guiava, instruía, orientava, como poucos. Recomendava ler, estudar, entender. Sobretudo entender.

Em aulas magistrais, nos conduzia. Ensinava a ver o que a vista, sem a luz de seus olhos não alcançaria. Envolvia-nos de tal modo em seus ensinamentos que me obrigava a repetir para mim mesmo, caso me tornasse professor, imitá-la na sua grandeza professoral. Pretensão, claro. Impossível aproximar-me de tanta luz.

Neste tempo, sonhava com a ciência do Direito. Sonhava com a Magistratura. O destino exigiu seguir outro rumo. Tornei-me professor e trouxe comigo, desde os primeiros dias o que recebera de alguns poucos professores, decisivos na minha formação, bem instruídos que foram pela Filosofia da Educação e por seus diferentes pensadores.

Um deles, com cuidado, lembrava que, na leitura e na vida, joio e trigo andam juntos. Separá-los exige visão e entendimento. Foi do que me vali, sempre, durante os quatro anos de vida acadêmica e, depois disso, em cursos de especialização a que me dediquei com igual afinco. Comigo, sempre, a palavra sábia de Cida Bilac, Luís Martins e, bem mais tarde, Madame Hall, única, no seu jeito europeu de transmitir conhecimento, Neidson Rodrigues e o inigualável professor Antonio Cândido.

Foi, no entanto, da visão de mundo oferecida por leituras variadas, que brotou o saber. Também com livros foi possível aprender o debate com o opositor em busca de conhecimento e da verdade. Muitos, ferrenhos em sua crença e na defesa dela, tentam sempre impor suas ideias, bom motivo distância e independência.

A vida universitária também me permitiu saber que “o realismo é uma ideia moral”, na medida em que revela a escolha do escritor na representação do real. Poucos souberam cometer desarranjos na apresentação da sociedade rompendo contrato com público burguês. Atitude assim, muitas vezes, foi motivo de perseguição política, jurídica e acusações injustas. Bastava aventurar-se para o carimbo indicar ideais marxistas.

Hoje, valendo-me deste tempo carnavalesco, quero deixar para sua leitura e reflexão, a oportunidade de repensar o mundo. O perigo de apequenar-se é ver murchar flores nos jardins. O mal, diante do bem, é sorrateiro na perseguição. Esteja, pois, atento e forte.

“Na primeira noite se aproximam e colhem uma flor em nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem. Pisam nossas flores e matam nosso cão.”

Não fique à espera de que roubem a lua, arranquem sua voz e turvem o brilho de seu olhar. Sem mergulhar no passado, entenda o que foi em favor do que será. Você é o que escolhe ser e rasgada a fantasia, tudo volta ao normal, seja você quem for, seja o que Deus quiser.

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