ARTIGO

Sacra arte

Por Edson Rontani Júnior | 15/02/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Foi um encontro celestial muito íntimo. Único! Há alguns anos, quando estava arrumando toda a papelada para meu matrimônio, fiz algumas visitas à Igreja dos Frades, numas de suas áreas que há muito não visitava. Na secretaria da Igreja me deparo com uma imagem pintada na parede. Um santo, um cordeiro, uma paisagem... Passei a fitar a obra feita à óleo na própria parede como se tentasse decifrar algum momento perdido no passado.

É um daqueles instantes que damos conta uma única vez na vida. “Como nunca reparei essa obra?”, pensei. Afinal, por mais de 30 anos residi ao lado da Igreja dos Frades, fiz catecismo ali e me casei nessa mesma igreja.

Quem de fora vê a Igreja Sagrado Coração de Jesus não visualiza a riqueza do seu interior, em especial as obras do Frei Paulo de Sorocaba, que tantos discípulos deixou em Piracicaba e tornou-se referência na arte sacra da região sudeste do Brasil.

Confesso que desde criança ouço falar do velho capuchinho que ensinava crianças e adolescentes a pintar. Isso me foi passado verbalmente por meu pai, Edson Rontani, ele próprio um dos pupilos do Frei Paulo durante sua estada no Oratório Seráfico São Fidélis.

E através de uma história simples chega-se à imensidão artística oferecida pela Igreja dos Frades, cuja pedra fundamental foi lançada em 1º de janeiro de 1893 e teve sua inauguração marcada em 10 de dezembro de 1895, ainda com sua estrutura incompleta.

O que nos intriga ainda hoje é como um homem a serviço da igreja tenha se dedicado com tanto afinco à pintura. Obras do Frei Paulo de Sorocaba são hoje referência nos principais verbetes históricos-culturais. Teve grande atuação em Piracicaba sendo o responsável pela pintura da fachada da igreja em 1915. Em conjunto com Plácido Zenatti e Eriberto Zabrecato, Frei Paulo fez a pintura do presbitério e do altar principal. Isso, entre 1916 e 1917. Teve a ideia de criar os respiradouros das paredes, melhorando sua acústica e ventilação.

João Batista de Melo - nome de batismo de Frei Paulo-, nasceu em Sorocaba em 24 de junho de 1873, em meio às comemorações juninas a São João, o santo do dia.

Anos mais tarde descobriu o lápis e o papel. Aos 10 anos é levado ao desenho artístico por influência de amigos.

Com um tio, passou a pintar paredes de 1887 a 1891. No final desta década, sente-se inclinado à ordem religiosa. Em 30 de outubro de 1899 perde seu pai. Na noite de Natal daquele mesmo ano parte de Sorocaba para São Paulo onde busca refúgio no Convento de São Francisco.

Em 6 de agosto de 1900 vem a Piracicaba como noviço. Passou por Taubaté e por Campos Novos de Paranapanema. De volta a São Paulo, outros freis indicam-lhe a Europa como lugar para aprimorar seus dotes artísticos. Foi para a Itália em 1912 sendo pupilo de Antonio Meyer, da Escola de Veneza. Deixou várias pinturas em solo europeu, algumas delas desaparecidas durante a Primeira Guerra Mundial.

Lá estudou obras de mestres como Veronese, Tintoretto e Ticiano. Influências que o seguiram até o final da vida. Voltou a Piracicaba em 1913 ficando por dez anos. Em 1917, Frei Paulo pintou, na Igreja dos Frades, o quadro de São Francisco recebendo os estigmas. Uma obra que mede 3 por 2 metros. É uma das mais bonitas obras que existem ainda hoje.

Em 1928 retorna a Piracicaba onde ficaria até sua morte em 11 de julho de 1955. Integrou o corpo docente que, em 10 de dezembro de 1928, instalou o Seminário Seráfico São Fidelis.

Teve sua saúde debilitada pela doença. Mas mesmo assim encontrou tempo para estudar o relógio de sol e os eclipses. Teve várias pinturas sobre os temas e construiu alguns relógios de sol na cidade. Foi um estudioso daquilo que os cientistas chamam de deslocamento do eixo da Terra.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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