ARTIGO

Robôs virtuais também podem ser plagiados?

Por Armando Alexandre dos Santos | 04/02/2023 | Tempo de leitura: 4 min

A legislação de Direitos Autorais vigente no Brasil tem como base primordial a Lei 5.988, de 14-12-1973, que prevê três delitos principais - o plágio, a contrafação e a usurpação de nome ou pseudônimo - e comina a sua prática com detenção de 3 meses a um ano ou multa.

Segundo o Prof. Carlos Alberto Bittar, da USP, entende-se por plágio a “imitação servil ou fraudulenta de obra alheia, pressupondo-se o não consentimento do autor e não importando a forma extrínseca, o destino ou a finalidade da ação violadora” (Direito de Autor. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 150). O mesmo jurista explica que, no plágio, “a obra alheia é apresentada pelo imitador como própria, ou sob diferentes graus de dissimulação. Há absorção de elementos fundamentais da estrutura da obra, atentando-se, pois, contra a personalidade do autor (frustração de paternidade).” (idem)

Plagiar, pois, constitui uma forma de apossar-se de um bem alheio; em outras palavras, plagiar é roubar, não importando a finalidade da ação violadora; ainda que o plagiador eventualmente não aufira lucros de seu malfeito, esse pormenor não o desculpa nem o exime das penas da lei.

Não é propriamente plágio, mas se assemelha muito a ele o pasticcio, palavra italiana com que se designa a prática pouco honrosa de disfarçar um plágio modificando algumas construções ou trocando algumas palavras de texto alheio. É um recurso pouco leal e, no sentido próprio da palavra, ignóbil, mas é muito frequente, o mais das vezes eufemisticamente chamado de perífrase. Bonita palavra, de origem grega, para designar uma coisa muito feia!

Eu mesmo já fui vítima de plagiadores, até em circunstâncias bastante desagradáveis. Nos meses que precederam o plebiscito de 1993, quando estavam muito vivos os debates acerca das opções plebiscitárias, publiquei um livro intitulado “Parlamentarismo, sim, mas à brasileira”. Esse livro já estava impresso e em fase de acabamento na editora, quando tive a surpresa de ler, na página 2 de importante diário paulistano, um artigo de um colaborador do jornal intitulado “Parlamentarismo à brasileira, uma opção inteligente”. Era exatamente o título de um dos capítulos do meu livro. Fui ler o artigo e, estarrecido, me dei conta de que nele eram copiados diversos parágrafos do meu livro.

Só depois pude apurar o que aconteceu. Eu havia confiado o texto do meu livro a um amigo no qual tinha total confiança. Esse amigo, por sua vez, sem me falar, passou o texto a um amigo dele. Esse amigo do meu amigo foi convidado, por determinada pessoa, a escrever uma minuta de artigo que ela publicaria no jornal, sobre o plebiscito. O ghostwriter, então, perguntou ao meu amigo (o primeiro!) se eu me importaria se ele “tirasse algumas ideias” do meu livro para redigir o artigo. Meu amigo disse que eu provavelmente até ficaria contente, pois divulgaria mais as ideias do meu livro...

Só que não foram tiradas apenas “algumas ideias”, mas foram copiados, escandalosamente, parágrafos inteiros, e até o título de um capítulo. O resultado é que o meu livro, que saiu a público três semanas depois, poderia ter passado por plagiador do tal artigo de jornal. Se alguém me acusasse de plagiador, seria fácil, para mim, provar, pelo exame estilístico, que os parágrafos do artigo plagiado eram de minha autoria, mas felizmente ninguém notou.

Em trabalhos científicos e acadêmicos, o plágio é prática condenável muito frequente. Por vezes, são fraudulentamente surrupiados os dados da pesquisa, muitas vezes frutos de anos de paciente labor. Outras vezes, são textos inteiros que se transcrevem sem indicação de fonte.

Contaram-me o caso de uma pesquisadora brasileira, muito jovem, que estudava na Sorbonne e teve uma intuição genial, de um ponto muito importante de sua área de pesquisa. Teve ela a infeliz ideia de ir modestamente pedir a opinião do maior professor especialista no tema. Ele a atendeu com ares de gênio distraído, rabiscando uns papéis enquanto a jovem expunha seu projeto. No fim, ele respondeu que ela ainda era muito jovem para tratar daqueles assuntos, recomendou que lesse mais bibliografia e lhe deu uma lista de 10 ou 12 títulos (alemães, ingleses, americanos...) que ela devia ler antes de escrever sobre o tema. A jovem ainda agradeceu a honra de ter sido recebida e aconselhada pelo grande mestre... e saiu humilhada do escritório dele.

Poucos meses depois, numa revista científica, ela seve a surpresa de ler um artigo do tal professor, apresentando como ideia original dele precisamente o projeto que lhe tinha exposto.

Os mecanismos de busca na Internet facilitaram bastante a identificação e a denúncia de plagiadores. Nos ambientes universitários, tornou-se mais fácil a um professor verificar se um trabalho que lhe é apresentado foi plagiado. Mas agora, com os moderníssimos sistemas de “inteligência artificial”, alunos relapsos poderão talvez apresentar como sendo de sua lavra trabalhos elaborados por computadores. A pergunta se impõe: se não houver um autor humano lesado, será também criminosa a prática de alguém apresentar como próprio um texto composto por robôs virtuais?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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