ARTIGO

Como se constrói uma narrativa extremista?

Por Rubinho Vitti |
| Tempo de leitura: 3 min

Se não acabar até lá, a Guerra na Ucrânia vai completar um ano de duração no próximo dia 24. Neste tempo, já se sabe que a Rússia e o território vizinho não são personagens únicos nesta história.

O embate entre os dois países afetou praticamente o mundo todo, principalmente a Europa com combustível, eletricidade e gás chegando a valores inimagináveis. Cidadãos europeus estão tendo que lidar com contas altíssimas!

Aqui na República da Irlanda, onde moro, a inflação teve recordes em 2022 com taxas nunca vistas desde os anos 1980, refletindo na prateleira dos supermercados e contas de gás e luz altíssimas. Soma-se a isso uma crise habitacional nunca vista antes na história da Irlanda.

Um ponto chave para fechar esse ciclo: a Irlanda é um dos países que, proporcionalmente, mais recebeu refugiados da Guerra na Ucrânia, além de atender a pedidos de asilo de outras partes do mundo, como a África.

A situação tem feito o país navegar sobre um mar agitado, entre uma população que está ficando cada vez mais sem dinheiro e sem moradia e o crescimento econômico, que ainda é maior do que a média europeia, mas não é visto diretamente pelos cidadãos irlandeses.

Esse amálgama de insatisfação tem feito os irlandeses irem às ruas, com uma parte da população se manifestando em atos anti-imigração. Protestos estão acontecendo na Irlanda desde o fim do ano passado, mas estão se intensificando em 2023.

Apesar de grande parte dos protestos serem pacíficos, parte dos manifestantes tem se mostrado cada vez mais radical. Vários incidentes foram registrados nos últimos dias.

Entre eles, está um incêndio criminoso em uma antiga escola do século 19, em Dublin, que havia sido erroneamente identificada nas redes sociais como um local preparado para abrigar refugiados.

Um grupo de homens irlandeses também é investigado por ter ameaçado imigrantes com cães e tacos de beisebol, gritando para que fossem embora.

De acordo com pesquisa feita pelo Overseas Development Institute, movimentos extremistas podem surgir (ou ressurgir) na Europa a partir dessas crises. Segundo o estudo, é preciso encontrar respostas práticas para os principais desafios do país e os imigrantes devem deixar de ser bodes expiatórios para as atuais deficiências políticas.

Figuras da extrema direita estão usando os cidadãos irlandeses, encontrando em refugiados um inimigo em comum para culpar, fazendo crescer o ódio. Um líder extremista foi preso após incitar um grupo de homens a bloquear estradas e incitar pessoas a levarem armas para os protestos.

Enquanto os protestos ocorrem nas ruas, pela internet, integrantes de grupos extremistas têm disparado notícias falsas como forma de atiçar cidadãos irlandeses a inflar as manifestações.

Eles alegam que refugiados do sexo masculino estão envolvidos em um ataque sexual ocorrido contra uma mulher no norte de Dublin, chamando-os de “estupradores” e um “perigo extremo para as mulheres e crianças”.

Porém, de acordo com a polícia irlandesa, o principal suspeito para tal crime é um homem “irlandês branco” e o envolvimento de migrantes ou refugiados está descartado.

O mais triste em ver muitos irlandeses caindo nas armadilhas do extremismo é lembrar que o passado da Irlanda é marcado pela emigração, a chamada Diáspora Irlandesa, ocorrida, principalmente, no século 19.

Na época em que ocorreu a Grande Fome (Great Famine) houve um número muito grande de irlandeses emigrando para outros países. E, lá, muitos deles eram tratados com revolta pelos nativos.

Não à toa, a máxima de que existem mais irlandeses fora da Irlanda do que no próprio país é real, sendo 34 milhões de americanos que se identificam como irlandeses em algum grau, enquanto o país, apenas recentemente, voltou a ter 5 milhões de habitantes.

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