Minha Carta a Tito

Por David Chagas |
| Tempo de leitura: 4 min

Por David Chagas

A Tito, manifestação da graça de Deus, em mim e comigo, eu que, desde seu pai e seus tios, tenho neles, fonte de esperança, de verdade, de vida.
O que lhe escrevo não é um poema de boas-vindas, nem crônica para seu batismo. É a celebração de seu nome, do nome que lhe deram, forte, grandioso, lindo, cofre do propósito que guarda.
Quando leres, com prudência e sabedoria, Tito, uma e outra carta de Paulo aos Coríntios, entenderás que te escrevo, reconhecendo que és, para mim, a mais evidente promessa de vida. Há tanto não deixo registro de amor, como este. Deus me preparava o tempo para escrever-te como se revelasse a mim e a ti, em cada palavra, meu grito de esperança.
Tua chegada trouxe-me sentido a texto que guardei comigo: “Deus existindo, tudo dá esperança! Sempre um milagre é possível.” A vida é um milagre. Que criança não é a revelação do milagre muitas vezes desapercebido neste tempo carregado e sombrio que nos toca viver.
A força de teu olhar, profundo, límpido, maduro tão pouca idade me trouxe de volta o distante de mim. A quem acolhi pequeno. Teu pai. Outro, a quem estendi a mão e procurei fazer da vida, vida ajudando na travessia. Outro, cujos passos por aqui, persigo com orgulho.
Francisco, o papa, explica a razão disto. Afirma que Deus não tem dificuldade em entender sua obra a partir das crianças. Menos ainda em lhes explicar o porquê disto, sabendo que jamais deixarão de entender.
Carlos Drummond, o genial poeta, em crônica, pede que nos deixemos educar pela criança. Teu pai, pequenino, me confirmara isso dando-me luz em torno do desejo ardente de Deus que chamou para seu aconchego os pequeninos. E se quisermos ter igual acolhimento, que nos apresentemos diante dEle como eles.
Se fores como foi teu pai, em pequeno, provarás a mim a correção da postura pedagógica de Francisco, quando demonstra a verdade da criança no gesto, na fala, na revelação de sua própria realidade, sem mentira, com confiança e pureza, deixando pulsar coração nutrido da simplicidade original, em nada endurecido,. Não te percas destas virtudes, Tio, nem desperdices a herança recebida de Deus.
Quando tiveres entendimento para tudo isso, talvez já não me tenhas aqui. Lembra-te de buscar por estas marcas e sinta que deve preservá-las, porque não são do homem, mas de Deus. Digo isto para que não cesses de alimentar-te de ternura.
Guardarei, enquanto houver vida em mim, a Luz que me vem de ti provando seres, como toda criança, depositário da imagem e semelhança de Deus. Ele, ao mirar-te, coração em festa, ocupou-se em deixar-te na alma a marca do Bem renovando a cada dia a Essência de Seu Amor, a Luz de Seu Espírito.
Quanto te agradeço por me oferecer, com outras tantas crianças que me chegaram de pessoas queridas, em igual tempo, a chave do mistério, luz ao sol posto, na revelação constante do fascínio da vida. Se enumero os que chegaram contigo acabo por revelar o alvoroço feito em meu coração. Juntando estes a ti tenho em mim a ciranda da esperança.
Este começo de vida teu e deles fez-me um bem enorme eu que já me cansava de tanto rasgar e remendar dias.
Quando estiveres mais crescido e descobrires que todo velho babão metido a contar histórias acaba por revelar sua visão de mundo. Tu, por certo, esquecido da visão mágica que tida quando saltou à vida, darás trato à bola na tentativa de redescobrir o sentido que davas a partir de teu olhar.
Poeta genial, amigo meu, ao escrever a seu neto, uma das mais belas páginas da literatura universal na vã tentativa de alerta-lo para a vida, recomenda ao recém-nascido ver o mundo a partir de seu reino profundo.
Se pudesse, quanto faria para oferecer-te o mundo que te desejo na sua forma mais comovida e perfeita. Impossível.
Cresce, por favor, sabendo disso, assentado na verdade do Criador. Se ousares como ouso, agora, valer-te da Palavra de Deus, faze com dignidade, sem proveito próprio. Tua consciência é a Sua morada. Ao teu primeiro sopro de vida, instalou-se aí de modo definitivo para traçar contigo o sentido da vida.
Sinto, meu pequeno, que não te alcançarei a juventude, - bem quisera! Tomara possa, ao menos, seguir pedindo a Deus luz para seguires na retidão do caminho. Busca a verdade como norte. Tomara, em cada passo, à margem, os frutos sejam de solidariedade, de respeito, de gratidão e de amor.
Quando chegaste, na explosão da vida, quis aveludar-te o mundo. Sinto não ter ido além do desejo. Sonhar é possível. Fazer, não. Apresento, no entanto, os sonhos meus, com apreço, em favor de teus dias.
Se tiveres o prazer de ouvir histórias, estou certo, teu pai te dirá. Caberá a ele confirmar o que te digo agora quanto ao muito amar.
O poeta de quem falei, ao escrever a seu neto, como te faço agora, ensinou: “Sê humilde em tua valentia. Repara que há veludo nos ursos”. Se, na transcendência nos reencontrarmos, hei de recolher de tuas mãos um tanto do veludo que te deixo.

LEIA MAIS

Comentários

Comentários