Minha Carta a Tito

Por David Chagas | 05/09/2022 | Tempo de leitura: 4 min

Por David Chagas

A Tito, manifestação da graça de Deus, em mim e comigo, eu que, desde seu pai e seus tios, tenho neles, fonte de esperança, de verdade, de vida.
O que lhe escrevo não é um poema de boas-vindas, nem crônica para seu batismo. É a celebração de seu nome, do nome que lhe deram, forte, grandioso, lindo, cofre do propósito que guarda.
Quando leres, com prudência e sabedoria, Tito, uma e outra carta de Paulo aos Coríntios, entenderás que te escrevo, reconhecendo que és, para mim, a mais evidente promessa de vida. Há tanto não deixo registro de amor, como este. Deus me preparava o tempo para escrever-te como se revelasse a mim e a ti, em cada palavra, meu grito de esperança.
Tua chegada trouxe-me sentido a texto que guardei comigo: “Deus existindo, tudo dá esperança! Sempre um milagre é possível.” A vida é um milagre. Que criança não é a revelação do milagre muitas vezes desapercebido neste tempo carregado e sombrio que nos toca viver.
A força de teu olhar, profundo, límpido, maduro tão pouca idade me trouxe de volta o distante de mim. A quem acolhi pequeno. Teu pai. Outro, a quem estendi a mão e procurei fazer da vida, vida ajudando na travessia. Outro, cujos passos por aqui, persigo com orgulho.
Francisco, o papa, explica a razão disto. Afirma que Deus não tem dificuldade em entender sua obra a partir das crianças. Menos ainda em lhes explicar o porquê disto, sabendo que jamais deixarão de entender.
Carlos Drummond, o genial poeta, em crônica, pede que nos deixemos educar pela criança. Teu pai, pequenino, me confirmara isso dando-me luz em torno do desejo ardente de Deus que chamou para seu aconchego os pequeninos. E se quisermos ter igual acolhimento, que nos apresentemos diante dEle como eles.
Se fores como foi teu pai, em pequeno, provarás a mim a correção da postura pedagógica de Francisco, quando demonstra a verdade da criança no gesto, na fala, na revelação de sua própria realidade, sem mentira, com confiança e pureza, deixando pulsar coração nutrido da simplicidade original, em nada endurecido,. Não te percas destas virtudes, Tio, nem desperdices a herança recebida de Deus.
Quando tiveres entendimento para tudo isso, talvez já não me tenhas aqui. Lembra-te de buscar por estas marcas e sinta que deve preservá-las, porque não são do homem, mas de Deus. Digo isto para que não cesses de alimentar-te de ternura.
Guardarei, enquanto houver vida em mim, a Luz que me vem de ti provando seres, como toda criança, depositário da imagem e semelhança de Deus. Ele, ao mirar-te, coração em festa, ocupou-se em deixar-te na alma a marca do Bem renovando a cada dia a Essência de Seu Amor, a Luz de Seu Espírito.
Quanto te agradeço por me oferecer, com outras tantas crianças que me chegaram de pessoas queridas, em igual tempo, a chave do mistério, luz ao sol posto, na revelação constante do fascínio da vida. Se enumero os que chegaram contigo acabo por revelar o alvoroço feito em meu coração. Juntando estes a ti tenho em mim a ciranda da esperança.
Este começo de vida teu e deles fez-me um bem enorme eu que já me cansava de tanto rasgar e remendar dias.
Quando estiveres mais crescido e descobrires que todo velho babão metido a contar histórias acaba por revelar sua visão de mundo. Tu, por certo, esquecido da visão mágica que tida quando saltou à vida, darás trato à bola na tentativa de redescobrir o sentido que davas a partir de teu olhar.
Poeta genial, amigo meu, ao escrever a seu neto, uma das mais belas páginas da literatura universal na vã tentativa de alerta-lo para a vida, recomenda ao recém-nascido ver o mundo a partir de seu reino profundo.
Se pudesse, quanto faria para oferecer-te o mundo que te desejo na sua forma mais comovida e perfeita. Impossível.
Cresce, por favor, sabendo disso, assentado na verdade do Criador. Se ousares como ouso, agora, valer-te da Palavra de Deus, faze com dignidade, sem proveito próprio. Tua consciência é a Sua morada. Ao teu primeiro sopro de vida, instalou-se aí de modo definitivo para traçar contigo o sentido da vida.
Sinto, meu pequeno, que não te alcançarei a juventude, - bem quisera! Tomara possa, ao menos, seguir pedindo a Deus luz para seguires na retidão do caminho. Busca a verdade como norte. Tomara, em cada passo, à margem, os frutos sejam de solidariedade, de respeito, de gratidão e de amor.
Quando chegaste, na explosão da vida, quis aveludar-te o mundo. Sinto não ter ido além do desejo. Sonhar é possível. Fazer, não. Apresento, no entanto, os sonhos meus, com apreço, em favor de teus dias.
Se tiveres o prazer de ouvir histórias, estou certo, teu pai te dirá. Caberá a ele confirmar o que te digo agora quanto ao muito amar.
O poeta de quem falei, ao escrever a seu neto, como te faço agora, ensinou: “Sê humilde em tua valentia. Repara que há veludo nos ursos”. Se, na transcendência nos reencontrarmos, hei de recolher de tuas mãos um tanto do veludo que te deixo.

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