Por David Chagas
Quantos de vocês, alguma vez, na semana de seu aniversário, receberam jabuticabas recém-colhidas da jabuticabeira do quintal de casa amiga, capaz de trazer de volta sabor que, a infância ao conhecer, soube guardar?
Ao abrir o pacote, como não sentir o real entusiasmo da nobreza portuguesa ao saber, em carta de Caminha, das “sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam”, tão melhores e mais saudáveis que o tanto trigo e legumes comido na Europa de então incapazes que foram de dar aos navegantes corpos rijos, fortes e nédios como do povo indígena que, aqui estando no século XV, recebeu a portuguesada ambiciosa que lhes usurpou a terra?
Quantos sentiram, ao celebrar a vida, prazer com tão boa fortuna e se deixaram envolver com estes sentimentos, obrigando-se, agora, a desculpar-se pelo usucapião da terra, há mais de quinhentos anos, graças ao sabor da fruta? Quantos?
Quantos mais tiveram, ao cair da tarde, a sorte de encontrar caixa envolta em pacote de papelão adornado com fitinhas de papel, estreitas, mínimas, quase sem tamanho para tanta cor, guardando em caixa transparente, punhado de outra fruta brotada de sapotizeiro de quintal?
Não bastasse, com as frutas, para que as reconhecesse, mancheia de folhas, dando a sensação do frescor e da beleza que atrai pássaros ao longo do dia num regozijo único.
Quantos, em dia assim, desfiaram a diabetes melito saboreando guloseimas e bolos e doces oferecidos para provar que, apesar de tantos males, a vida se mostra doce, mesmo reconhecendo o perigo iminente?
Naquele dia bordado em azul, só me faltava sair à rua à cata dos ipês para sabê-los comigo, como em todos os anos, o que dá à data um ajuntado de admiradores, não meus ou de outros tantos que festejam a data, mas de quantos têm igual prazer na beleza das ruas que veem explodir em amarelo, primeiro, depois, branco, floração como poucas para indicar a renovação da vida.
Depois disso, atapetam o chão, não sem fazer verde a brisa a sacudir, com suavidade, avencas nas janelas. Por isso, escrevo. Sorte demais florir neste augusto mês.
Depois de Caetano Veloso, irmã e filhos festejarem a seu lado dia também dele, explosão de talentos individuais em espetáculo memorável, fazendo da sua, festa de todos, ao sair à rua, pude encontrar com o ipê em saudação ao despertar do dia. Parecia até mesmo capricho dele em minha homenagem, se me permitem. Nunca falha. Chega no dia exato.
A natureza não registra datas. Obedece tão somente a natureza. Não sabe quando. Segue o curso do sol, reconhece a necessidade da chuva, aceita, com alegria, a passarada nela, por ela, ou a sua, solta flores, se enche de folhas novinhas renascendo a cada temporada, reconhece como seus os animais que necessitam dela e os respeita, troca benefícios com insetos que por ela passam. Tudo harmonioso, perfeito.
Pensar que os homens ditos civilizados são os que mais desconhecem estes benefícios em favor deles, inclusive, e a maltratam tanto. Por certo, lendo, se valerão de conceitos os mais variados para condenar apreço por tudo aquilo que além de não ver, não sentem. Do que terão sido feitos? Que sangue lhes corre nas veias, incapaz de oferecer da vida, sua essência?
Quando se beneficiarão como devem, da Luz que fez da porção seca, a Terra, ajuntando águas, nela e ao redor dela? Tudo desarmoniza. Não soube, ainda, entender que Deus, ao criar, viu que era bom e tratou de oferecer mais vida à vida com o ajuntamento das águas para que“a terra produzisse erva verde, erva que desse semente, árvore, fruto segundo a sua espécie, cuja semente estivesse nela sobre a terra. Assim foi. E a terra produziu erva, erva dando semente conforme a sua espécie, e a árvore frutífera, cuja semente está nela conforme a sua espécie. Deus que era bom. E foi a tarde e a manhã, o dia terceiro”. E o dia é este!
Estes pontos de reflexão fizeram do meu dia - que nesta contação lhes revelo - um resumo de vida inteira como se obrigasse a dividir entre nós a graça da renovação da vida, este misto de alegria, tristeza, frustrações, vitórias. Da vida que busca encontrar nos que vieram antes, a lição oferecida, difícil, bem sei, mas carregada de sabedoria e paz.
Uma de minhas mais queridas professoras, em cartão primoroso, feito por ela mesma, escreve que venho de um tempo de muitos sonhos, como se não soubesse, no seu jeito tão bom de ser comigo, desde minha adolescência, quantos destes sonhos foram semeados por ela, nas lições dadas, nas histórias contadas, na orientação correta de livros recomendados para adequadas leituras.
Emociona-me, por demais, no que me escreve, dando-me o direito de prosseguir invadindo os corações para deixar neles a marca da minha presença.
Junto a esta reserva poética que cada palavra sua traz em si, um pratinho de cerâmica, ninhal de suculentas, provando certíssima a palavra de Deus. O cartão, em bricolagem finíssima, flores de orquídea que um dia, por bom motivo, lhe ofereci. Guardou uma a uma para devolver-me num ajeitamento perfeito, em cartão que com outros tantos, há de permanecer comigo enquanto durar a caminhada.
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