Agosto.

Por David Chagas |
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Por David Chagas

Não escreveria sobre o mês, neste ano da graça. A morte de Jô deixou-nos um rastro de tristeza. Além disso, como gosto de agosto e Otto Lara Rezende me fez reler sua crônica, insistindo dizer que agosto rima com desgosto, enumerando uma série de acontecimentos, no Brasil, que comprovam sua afirmação, decidi ir à forra. Minha mãe, boa leitora que era, terá lido a crônica quando grávida, para não querer filhos neste mês? Deus, por certo, fê-la despertar do engano.
O escritor jurava, observando o sucedido, entender injusto o provérbio, já que contava mais esperança que desdita. E se mal houve com a pátria amada, na maioria dos casos, foram os protagonistas culpados por seu comportamento que outro não é, senão o de costume, desrespeitoso, antiético.
Estas coisas me incomodam neste jeito simplório de ser do homem brasileiro. Acredita em tudo e em todos, mais ainda naqueles que evidenciam aproveitar-se disso. Basta alinhar-se no beiral da igreja, desrespeitado até mesmo o Sacramento Santíssimo, para terem, da brasileirada, direito ao céu. Há messiânicos que, ao ver um púlpito, caem de joelhos, proclamando sem cessar o nome de Deus, para, ao porem-se em pé, vociferar contra todos os demais que fogem do catecismo apócrifo que recitam.
Bons atores, louvam, aplaudem, cantam, choram até, esquecidos de que Deus é caminho, verdade e vida. E Jesus, seu Filho, deu à mulher, em diferentes situações, numa sociedade que a ignorava, lugar de primazia e respeito.
Julho, irmão conato, prepara agosto e faz florir ipês. Roxos, rosados. No prenúncio feito ao mês irmão-infuso, prenuncia a explosão de amarelos e brancos, na ordem em que escrevo, dando ainda mais graça ao ambiente tecendo tapetes em diferentes chãos. Se na mata, isolados, ganham destaque na paisagem sorrindo em rosa, para depois, em amarelo e branco, acenarem felizes a quem passe ao longe.
Agosto se abre, portanto, bordando a natureza. O espírito de Van Gogh se agita e pede aos girassóis que se abram também. E Anchieta, santo, conclama os manacás que o encantavam a se apresentarem. O milharal temporão ajeita o espaço e solta espigas. Se não lhes faltou água, surgem jabuticabas temporãs. E a passarada se achega ao banquete e à vida. Tempo de namoro, de acasalamento, de cantoria sem fim. A bicharada até então hibernada, desconhecendo ser veranico, reaparece com vigor e força ampliando o festim.
Inicia-se aí a sinfonia da primavera, harmoniosa, soltando notas e fazendo ainda melhor e mais luminoso o espaço todo. Quando julho termina, agosto, no primeiro vento, se revela. O vento sopra como se desejasse empurrar a vida adiante sem dissolver a esperança. O zunzunzum é para anunciar o mês, empurrando longe o que não foi bom e agoniou antepassados dias. Já no alvorecer, o sol se impõe e, na noite profunda, não estando a lua, apresenta a constelação dominante revelando estrelas.
Tenho na memória, pequenino ainda, meus braços em movimento. Das sensações, a revelação do que ouvia, do que tocava, sentia. O Espírito de Deus em mim, como em toda criança, fazia-me pulsar o coração, dava-me luz à alma. Foi assim, bem sei, porque segue sendo entre os pequenos. A mim e aos que, comigo, nasceram em igual tempo e sob o mesmo azul, Deus brilhava até mesmo no movimento de estrelas.
Não sei bem a conjuntura zodiacal, nem constelação que ocupava o espaço quando saltei à vida. Respeito o Eclesiastes e faço, da peregrinação deste augusto mês, o tempo determinado, procurando entender a razão de tudo, ao gosto de Deus.
Sentir permite imaginar. Melhor que ver. Traz gozo e prazer à alma. Uma rajada forte de vento, soprando destemida, não toca, sussurra, canta. Se a memória conta, como vez ou outra faz, as sensações se repetem. Alegria e dor se misturam.
Quando julho começou a despedir-se, seus últimos suspiros pouco ou nada tinham de inverno. Fazia calor. Era agosto avançando no tempo, faxinando árvores para que passassem a se ocupar de novas folhas e flores como espera o mês.
Dá-se conta como a natureza explica a vida? Há quem não entenda. Assim foi comigo. Revelou-me aos meus, entregando-me a ela quando me fez bem-vindo a seu amor. Por isso gosto da palavra que lhe dá nome e só mais tarde me fez entender a grandeza de seu amor. Uso a mais não poder.
Vou para dentro de mim. Se me perco no emaranhado que a vida traçou, valho-me da palavra e de Sua Luz e trato de entender a razão disso. Recito a oração de Santa Teresa e aquieto. Desfaço o enredo. Reencontro-me. Se resvalo outra vez, a palavra! meu Deus! A palavra se agita e me joga para o profundo acenando com luz e entendimento.
É para devo ir, ensinou-me Clarice, a Lispector. Mesmo sem ver, possível sentir. Para não perder o rumo, mirar fundo no olhar da criança, na sabedoria dos idosos, na esperança da juventude, na florada de girassóis, no espigar do milho, nas flores do ipê amarelo. No Amor.

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