Por Rubinho Vitti
Aquelas escadas pareciam não ter fim. Degrau após degrau de piso acinzentado, quase branco, que mais parecia puro marfim. Na cabeça inocente de uma criança, era como se estivesse subindo a torre de um castelo mágico.
Depois de quase uma escalada para aquelas perninhas curtas, vejo-me entrando por uma porta enorme de madeira brilhosa, com uma mesa idem, onde meu olhar não alcançava o outro lado.
Dezenas de papeladas, livros, gavetas, canetas e uma máquina de escrever no centro. A desorganização organizada era completa e tomava conta daquele ambiente.
Era a primeira vez -- e talvez única -- que eu entrei no escritório onde meu pai, Rubens Vitti, trabalhava como diretor da Câmara de Vereadores de Piracicaba. Ele se aposentou praticamente quando eu nasci, com pouco mais de 50 anos, mas seguiu atuando por mais algum tempo e, assim, ainda consegui visitá-lo no seu ambiente de trabalho, lá com meus quatro, cinco anos, ou talvez menos.
Seu Rubens seguiu praticamente uma tradição familiar de trabalhar como funcionário público, na Casa de Leis de Piracicaba. Lino e Guilherme Vitti, nossos primos, também atuaram com sucesso por lá -- seja um também pela poesia e outro pela paixão por História.
Meu pai, um pouco mais “low profile” que seus antecessores, também faz parte dessa importância na Câmara, afinal de contas, de uma espécie de “office boy”, em 1959, foi parar em um dos cargos mais importante da equipe que toma conta da Casa de Leis.
E o histórico do seu Rubens era diversificado: saiu de casa aos 11 anos de idade para estudar para ser padre, mas decidiu largar a batina dez anos depois, pouco antes de fazer o juramento. Com o aprendizado ganho vivendo em seminários diversos pelo país, acabou aprendendo muito bem o latim e o próprio português.
Por isso mesmo, foi professor nas duas línguas, atuando ainda em classes de cursinhos preparatórios, além de ser um exímio cantor no coral da igreja Imaculada Conceição da Vila Rezende -- onde conheceu minha mãe, aliás, mas essa é outra história.
Mas voltando à Câmara. Nas conversas sobre sua atuação no local, seu Rubens sempre fez questão de dizer como era difícil tomar conta daquelas dezenas de vereadores, sendo ele, na época, o único “assessor” para todos.
Imagine só que, hoje em dia, cada vereador tem mais do que apenas um auxiliar e, naquela época, era praticamente apenas meu pai para toda a Casa.
Em outra cena de criança, lembro que o estresse do trabalho era tanto, somado a ser pai de dois filhos pequenos, que, um dia, dirigindo com toda a família a bordo, ele virou na contramão em plena rua Moraes Barros, quase batendo o carro e ficando em frente a um batalhão da polícia. Acabou não levando multa do guarda de trânsito, que o perdoou vendo o caos familiar com dois irmãos birrentos (eu e minha irmã) brigando no banco de trás.
Como jornalista, toda vez que eu encontrava alguém mais antigo nas redações de jornal ou até mesmo professores da faculdade e políticos, eles faziam questão de lembrar do grande Rubens Vitti da Câmara, que enviava os releases do que acontecia na Câmara para a imprensa da época.
Nesta quinta-feira, 11 de agosto, a Câmara de Vereadores de Piracicaba, em celebração ao aniversário de 255 anos da cidade e 200 anos da própria Casa de Leis, homenageia 16 ex-funcionários e 11 ex-presidentes. Certamente, meu pai, no auge de seus 87 anos de vida -- e com uma saúde de ferro, recém-recuperado da Covid-19, deixando o vírus no chinelo -- é o mais velho da turma.
Fiquei honrado de saber da notícia, e, mais ainda, agradecido à Câmara pela ação de celebrar a história quando os personagens estão aí. Homenagear alguém que já se foi é importante, mas mais digno ainda é poder fazer isso em vida.
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