De metrópole à necrópole

Por Cecílio Elias Netto |
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Por Cecílio Elias Netto

Na cidade de São Paulo, o Brasil conheceu uma das nossas mais lúcidas personalidades político-administrativas, o engenheiro Manoel (Maneco) de Figueiredo Ferraz. Foi no auge da ditadura, no início dos 1970. Em poucos meses de administração, ele revolucionou a capital paulista. Uma de suas frases mais significativas: “São Paulo precisa parar”. E, numa época em que se falava, desordenadamente, em Brasil Gigante, em “São Paulo não pode parar”. Maneco Ferraz foi massacrado pelos altos e escusos interesses políticos, econômicos, empresariais da época.
Não há como ignorar estarmos em um novo momento da História. O processo de globalização – irreversível, mas ainda majoritariamente de ordem econômica – exige, de nós, uma fundamental compreensão: “Pensar globalmente, agir localmente”. Isso significa a necessidade imperiosa de lideranças legítimas, competentes, capazes de, pelo menos, avaliar os árduos desafios que já se nos revelam. Não mais poderão ser suportáveis o aventureirismo político, a irresponsabilidade eleitoral mesmo à guisa de um discutível direito à opinião. Pois, antes de mais nada, há que se entender o que seja opinião, palpite, achismo. Opinião exige argumento. Sem este, restam a inutilidade e simples ousadia do pretensioso. Fé, torcida, fanatismo são apenas algumas das inumeráveis condições humanas.
A cidade é uma obra de arte. Se não tem sido, é problema de governantes. Ela é a nossa casa comum. Logo, dela há que se cuidar da mesma forma como zelamos pela nossa residência familiar. Deve ser, pois, uma criação de coexistência, de convivência humana. Começamos como aldeia e chegamos às metrópoles, uma experiência que continua a nos desafiar. Pois isso significa apenas que a cidade era, simbolicamente, um mundo. E, agora – com as profundas transformações – esse mundo, em aspectos práticos, se tornou uma cidade.
O que Piracicaba pretende de si mesma? Em que Piracicaba se vai transformando? Estamos aproximando-nos de um estado caótico por falta de inteligência, de competência de governantes que, pretendendo ser gerentes de uma cidade, não se deram conta de que precisamos de urbanistas, de pensadores. E de políticos, no original sentido de administrar a “polis” e não de pérfido apetite de poder. Isso é tão grave e sério – embora banalizado e vilipendiado – que aventureiros esquecem haver as “ciências políticas” e que exercer a política é também uma arte. Lugar de palhaçadas é no circo.
Peço permissão para lembrar que a história de Piracicaba tem momentos de grandeza ímpar. Há uma herança que exige herdeiros responsáveis. Já no aprendizado da República, Paulo de Moraes Barros – sobrinho de Prudente – foi prefeito de nossa terra. E, com ele, Piracicaba foi declarada exemplo de administração pública. Com Luciano Guidotti, fomos, por duas vezes, o “município de maior progresso do Brasil”. A educação do Colégio Piracicabano, com Martha Watts, foi a referência para a implantação do ensino em São Paulo.
O mundo entendeu, por fim, que a qualidade está acima da quantidade. Que “menos é mais”. Por isso, há o retorno à busca de cidade-aconchego. Os que insistem em conduzir Piracicaba a tornar-se metrópole, capital de região metropolitana, ignoram a realidade histórica e trágica: metrópoles tornam-se necrópoles. E estas são lugares da morte.
Sei estar em minhas cerimônias de adeus. Vi maravilhas desta cidade. E estou com medo. Pois, mesmo não vindo a ver o que será, aprendi que o destino da metrópole – se não for liderada por pessoas competentes – é o de se tornar necrópole.

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