Por André Salum
Ao observarmos a condição da humanidade, tão honesta e objetivamente quanto nos seja possível, temos de admitir que sua parcela considerada religiosa pouco ou nada tem que justifique esse termo. Os que se declaram religiosos, na maioria, seguem convencionalismos, tradições familiares e sociais, seguem rituais externos e convenções, longe de praticarem os princípios da fé que dizem professar.
Com relação ao Cristianismo, por exemplo, quem é que, ao ser agredido em uma face, oferece a outra, ou quando lhe roubam sua capa, oferece também o manto? Quem é capaz de perdoar setenta vezes sete vezes?
Quem, em sã consciência, pode afirmar que renuncia a si mesmo, aos seus interesses pessoais, toma a sua cruz e segue o Mestre? Quem, ao abrir mão de desejos pessoais, busca em primeiro lugar as coisas espirituais e confia integralmente na divina providência? Quem doa as suas riquezas aos pobres e depois segue o Cristo? Qual das religiões ditas cristãs e quais dos seus líderes oferecem tal exemplo aos seus seguidores? Afinal, estes são critérios evangélicos para se reconhecer um discípulo e seguidor do Cristo.
As sementes crísticas lançadas há mais de dois mil anos encontraram em nossa consciência um solo infértil, até hoje aguardando condições favoráveis para que se desenvolvam, floresçam e frutifiquem.
Ao considerarmos os ensinos e exemplos de Jesus e não as formalidades e convenções acrescentadas posteriormente – que nada têm em comum com o Evangelho – reconheceremos que muitos seres desvinculados de religiões formais, se considerada sua conduta, são mais “religiosos” do que os que ostentam tal rótulo.
Parece-nos importante admitirmos que não somos verdadeiramente espiritualizados, seja qual for a religião que professemos. É cômodo e causa certo conforto psicológico referir-nos a nós mesmos como religiosos, como forma de nos eximirmos temporariamente ao trabalho interior de autoconhecimento e autotransformação, substituindo-o pela simples adesão a determinado culto religioso exterior.
Obviamente o que foi dito sobre o Cristianismo se aplica igualmente a qualquer outra religião, desde que seus adeptos estejam mais ligados à forma que ao conteúdo, aos rituais e cerimônias que à vivência de princípios e valores – sendo essa vivência o que realmente importa para a transformação do indivíduo e do mundo.
Reconhecer essa realidade nos parece um passo necessário para mudarmos de atitude, abandonando aquilo que reforça preconceitos, alienações e condicionamentos, a fim de permitirmos a livre expressão da fraternidade, a qual enxerga todos os seres como irmãos, destituindo-os dos rótulos divisionistas com os quais têm sido identificados ao longo da história.
Segundo a lei de causa e efeito, conhecida por muitas religiões e filosofias espiritualistas, cada um responde por si mesmo, colhendo, agora ou mais tarde, exatamente conforme haja semeado, independentemente de qualquer condição, inclusive religiosa, o que nivela todos os seres diante da justiça universal. Se as pessoas ditas religiosas praticassem pequena porcentagem daquilo que professam e em que dizem acreditar, certamente a religião teria outro significado na vida humana e o mundo seria muito diferente do que é. Que comecemos, portanto, por nosso universo interior as mudanças que esperamos no mundo externo, e que nossa religião seja acima de tudo a (re)ligação com o que concebemos de mais sagrado, dentro e fora de nós, contribuindo desse modo com um mundo mais fraterno e pacífico.
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