Entre junho e julho

Por David Chagas | 05/07/2022 | Tempo de leitura: 4 min

Por David Chagas

Julho despede junho, inaugura o semestre e sugere esticar olhos sobre prados, horizontes, serra e montes. Nesta hora, ressinto-me dos prédios que me roubam a moldura desenhada pela Serra de Santa Maria e o Morro Azul, quando, ao engolir o sol desenham tardes de beleza rara.
Nestes tempos, se alongo os olhos, posso encontrar, em profusão, as flores de São João, esparramadas desde o junino mês, atapetando caminhos para, caso retorne o peregrino santo, possa caminhar no verde que floresce.
Sei bem o segredo que a natureza guarda para garantir reprodução, renovação e evolução de espécies. Agora, no entanto, me interessa a singela beleza do mistério, pensando demoradamente nele, como a alimentar-me espírito e alma com a sabedoria de Deus.
Sou grato aos insetos, em especial às abelhas, por sua brava resistência em favor da vida. Sei que o vento também conspira em favor das espécies, a serviço do encontro entre gametas masculinos e femininos, também com beleza e graça. Se de todo faltar inseto e vento, o homem fará. Falta, no entanto, à grande maioria, a delicadeza, o encantamento, a poesia das outras criaturas de Deus.
Sempre estive, nesta época, em busca destas flores juninas, fazedoras da alegria de minha infância. Maio terminando despontavam no roçado onde vivia, indicando ser tempo de colheita, hora de organizar festejos celebrando fartura. Quanto gostava!
Sonhava com as noites, no plural delas, a partir do dia consagrado a Antonio, mesmo sabendo, erguido o mastro, que o festejado era outro, quando só me interessava “alegria e rumor/ estrondos de bombas/ luzes de Bengala/ vozes, cantigas e risos ao pé das fogueiras acesas” sem imaginar que os meus, sobretudo os meus, dormiriam profundamente, fazia de João Batista, o dono do mês.
Anos passados, vivendo em Portugal, em meio aos festejos de lá, entendi ser este também um mês antonino, e dei a Fernando, chamado Antonio, o lugar devido nestes trinta dias de junho.
Quando o menor dos meus saltou à vida carregando, como eu, Antonio no nome, pequenino ainda, saí com ele à procura dos campos floridos para ensiná-lo a reconhecer neles o signo da esperança. Queria que tivesse, de sua meninice, esta lembrança minha, da planta em parreira, liana, crescendo, apoiada em barrancos, penhascos, muros, cercas de arame, anunciando santos festeiros, adornando o inverno e celebrando a vida.
Manhã destas, para alegria minha, em plena cidade, deparei com muro coberto pela trepadeira, espelhando o tempo e a flor. Se os orientais, em especial os japoneses, se deslumbram com o florescer das cerejeiras, porque, ao sul do Equador, encantados com a trepadeira joanina, não podemos alimentar futuro ameno, acalentar sonhos, propalar crenças e apreciar a visita de insetos e pássaros, beijando uma a uma, flor e flor?
Apoio-me em teorias de filosofia da linguagem, para melhor entender o real, no sonho. Coincidência feliz pensar na flor e tê-la quase ao mesmo tempo diante dos olhos antes que o junino mês termine. Ninguém, nenhum jornal, nem mesmo a televisão, noticiou o parreiral florido em honra do santo peregrino, provendo e prevendo a renovação da esperança.
Certa feita, em crônica, Rubem Braga, o genial cronista capixaba, ensinou a fazer leve a crônica, sem esconder nada do que tece o cotidiano, fazendo dele o que é, como se apresenta. Se nos obrigam a saber de guerras transformando monumentos, história, beleza em ruínas, evidenciando vaidades dos presunçosos aboletados; de crimes que denunciam ao mundo um país de impunidades; de desrespeito à vida de mulheres, negros, índios, senhores absolutos da terra brasileira; do desrespeito às diferenças; do racismo em suas múltiplas e sempre vergonhosas manifestações, porque não revelar, junto a isso, flores nos campos, nos muros da cidade, fazendo saber que o inverno, por vezes rigoroso, se ilumina de cores e beleza para amenizar tempos difíceis como este em que estamos todos mergulhados.
Sinto que muitos se aprazem negando a história. Ou não será este o caminho escolhido pela Rússia, para redigir capítulos marcados pela imbecilidade de seu líder? Pior conosco O que nos caberá contar, no futuro, sobre o feito com nossas matas, nossos rios, nossos ancestrais, ignorando sua cultura e sua importância para o país e o mundo? E com a Educação?
Julho desponta. Hora de acreditar de forma clara no direito nosso e denunciar quem e o quê impiedosamente empurram, não milhares, mas milhões de pessoas, para a miséria, a fome. Não me rotulem. Enxergo e vejo. Sinto! Se denuncio é por crer na Palavra de Jesus Cristo. Procuro fazer de sua Palavra a verdade que me conduz.
Valho-me da mesma coragem das funcionárias da Caixa Econômica, assoladas por assédios constantes, comuns nos mais diversos setores do serviço público brasileiro. Repetir o gesto. Imitar a bravura. Valer a verdade. Ajudar, de algum modo, aos habitantes do Planalto, a clarear sua visão. Hora de desfazer-se da opacidade que lhes turva o olhar, perturba os sentimentos. Ditar-lhes o que a Constituição dita: igualdade de direitos e cumprimento do dever. Sem mentiras.
As flores do mês, como em todos, mas, trazem esperança porque fazem reconhecer direito de liberdade que Deus dá a todos os viventes, começando por pássaros e flores.

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