Cura e morte

Por André Sallum | 01/07/2022 | Tempo de leitura: 3 min

Por André Salum

A cura pode ser definida como o processo de reequilibrar as funções vitais em desarmonia, sejam físicas ou psíquicas, isto é, orgânicas, emocionais ou mentais. Se compreendemos a vida na matéria como um ciclo que começa no nascimento e termina com a morte, ambos os termos desse ciclo são igualmente importantes e fazem parte indissociável da vida. Se assim é, por que celebramos o nascimento e lamentamos a morte, tentando evitá-la a qualquer custo? Por que carregamos o nascimento de mil cores alegres, muitas das quais fantasiosas, enquanto damos à morte conotação macabra? Talvez de um ponto de vista espiritual o nascimento no corpo físico seja mais digno de preocupação pelos perigos e ameaças contidas na experiência material do que a morte, que seria curativa e libertadora, a volta ao verdadeiro lar espiritual.
Uma perspectiva de vida abrangente e evolutiva pode mudar a concepção de saúde, doença e cura, pois pode considerar alguém saudável, desde que realize os objetivos existenciais, mesmo com inúmeras limitações em órgãos e funções, ao passo que pode considerar doente quem se utilize de órgãos saudáveis de modo disfuncional e degradante, prejudicial a si mesmo e aos demais.
Quando o corpo físico não mais atende aos propósitos evolutivos para os quais existe, seja por envelhecimento, desgaste, doença ou lesão, a vida retira-se dele, sendo a morte não somente inevitável como libertadora. Morrer, desse modo, é tão natural quanto necessário, e morrer bem é a consequência do viver bem. Portanto, quem compreende a transitoriedade da vida física e se encontra com a consciência tranquila pelo bem que haja praticado recebe a morte, quando esta o alcança, com naturalidade, serenidade e gratidão.
Existem doenças degenerativas e incuráveis que obedecem a propósitos purificadores, para as quais a cura é justamente a morte, desde que esta seja natural, pela cessação da energia vital, e jamais induzida por arbitrários procedimentos humanos. Além de ser o final do ciclo biológico a morte, ao romper os laços do ser com o corpo físico, pode pôr fim a prolongados apegos, condicionamentos, ilusões e demais formas de obstáculo a um viver mais pleno. Quantas situações problemáticas permaneceriam indefinidamente insolúveis, e quantos conflitos e vícios se perpetuariam caso a morte não os transformasse?
Certamente o enfrentamento da morte é muito facilitado pelo esclarecimento quanto à imortalidade do ser e às diferentes dimensões em que a vida se manifesta, sendo o plano físico a mais densa delas, da qual a morte propicia a necessária e desejável libertação (desde que o indivíduo haja vivido conforme os ditames da consciência, condição necessária para se fruir a paz interior).
Morrer é fenômeno biológico compartilhado por todos os seres, mas morrer bem é conquista de quem haja compreendido o sentido evolutivo da vida e se empenhado em harmonizar-se com as leis que regem a existência.
Certamente temos o dever inalienável de buscar todas as formas de cura ao nosso alcance, para nós e para quem esteja sob nossa direta responsabilidade, ao mesmo tempo que devemos aceitar a morte como inevitável, necessária e benéfica, na sua sagrada função de tudo transformar. Precisamos curar a visão limitada e distorcida da morte como fim da vida, substituindo-a pela certeza de ser o final de um ciclo na matéria e início de novas experiências rumo à plenitude. Desse modo poderemos celebrar a existência certos de que a morte é portal de uma vida mais ampla e plena.

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