Tome Tento

Por David Chagas | 20/06/2022 | Tempo de leitura: 4 min

A sensibilidade parece maldição. No meu caso, não me confunde tanto. Sinto, como quer o poeta, com o pensamento. Pensar é viver, poder ver, entender, enxergar. Quando sinto, me alimento do pensamento. Ou sofro com a dor, nem sempre minha.
Digo isso, porque me pergunto o que me terá levado a amar Piracicaba além do rio, dos prados, dos horizontes, da serra e montes que vejo aqui. Da gente que me foi apresentada pela Luz de Deus.Sem falar do jeito acaipirado de falar, tão próximo do meu.
Não posso, no entanto, negar quem me acolheu, quem me pôs para dentro da cidade. António, seu patrono. Como gosto dele!Quando nasci, tive, por desejo e graça de meus pais, seu nome. Dobrou-se, em mim, a alegria, quando o vi repetido em meu neto mais novo.

Me interessava acercar-me do Santo no 13 de junho para abraçar no rito eucarístico o padrinho bendito, quando soub enão haver festejo de feriado. Na verdade, buscava, para estar com ele, o silêncio próprio de feriado.
Em Lisboa, há anos, a serviço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, festejei o 13 e junho por lá.Linda, a festa! Emocionante na sua simplicidade. Eu que sempre me dirigia à igreja onde têm instalado, com franciscana singeleza, seu último refúgio na terra natal, reavivava, nos festejos, meu respeito e admiração por este doutor da igreja.
Aqui, neste ano, o dia do Santo, por decreto prefeitoral, foi comum. A ordem do prefeito, no entanto, não impede a benquerença, o gesto de amor. Nada muda, feriado ou não, a devoção, o apreço pelo Santo.Deixem por conta dele qualquer outra providência além da indiferença com que contemplamos a determinação. António sabe como resolver isto. Ainda vivo, ignorou os homens e falou aos peixes que souberam reconhecer sua inteligência e conhecimento em favor da dignidade do povo.
Faça-se o mesmo aqui, onde o peixe para. Repetir o milagre: impossível!Faltam-nos virtudes e dons como os dele. Falta, também, fé para um milagre deste. Não bastasse, nos últimos anos, Deus, que a tudo vê e sente, anda em desacordo conosco.
Em Guimarães, Portugal, onde muitas das igrejas reproduzem em azulejos o histórico feito, e em Pádua, onde repousa António, tratei de saber melhor da pregação em Rimini, na Itália,no Adriático. O motivo que o levou a isto e o uso deste sermão por Padre Vieira, já no século XVII, em São Luís do Maranhão, conhecido como Sermão de Santo Antonio Aos Peixes importa agora. Ambos, Antonio, século XIII e Vieira, em 1654, apoiados num Salmo de David, sugerem apegar-se a Deus para a divina graça.
Vontade tive de acercar-me do rio, motivo de força e vida na cidade, para saber dos peixes sua reação. Para eles, importa o Santo, mensageiro, em Rimini, dos benefícios a eles concedidos pelo Senhor: mover-se de um lado a outro segundo seu próprio desejo; ser, antes da Ressurreição quem oferecesse a Jesus Cristo, o tributo necessário e, depois, alimento, para saciar sua fome.
Mais, lhes diz o Santo: “louvai e dai graças e bendizei por tantos e tão singulares benefícios. Nenhuma outra criatura recebeu tanto de Deus quanto vós, ó peixes, meus irmãos, a quem vos foi dado o mandamento de vos multiplicardes.” Lembrou-lhes, ainda, Antonio de que, no Dilúvio, resguardados de todo o mal, Deus os guardou como a nenhuma outra criatura.
Já Vieira, ao criticar o poder, estabelece severa comparação entre peixes e homens, não sem avisar os pregadores que eles são o sal da terra.
“Vós sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção?”
Vieira aclara e me dá motivo. Importa-mesugerir aos homens que se deixem conduzir por sua inteligência, por seu descortino, pelo mandamento de Amor que lhes foi dado, tanto que clamei por atenção e cuidado no título do texto. Angustia-me, em tempos de agora, o nome de Deus citado de forma corriqueira como se de seu Espírito não devesse brotar tão somente o que nos alimenta em verdade, em dignidade e justiça.
O poder, com o intuito de agradar os menos avisados, acredita ter, neste subterfúgio, a oportunidade de enganar e fazer valer sua palavra e, ainda pior, sua ação. Tome tento e veja se tenho ou não razão. Fome a alastrar-se por todo o país. Miséria estampada nas ruas das cidades. Intolerância, desemprego. Barbárie aos olhos do mundo. O injusto e imperdoável desaparecimento de Bruno Pereira, indigenista, brasileiro, ser humano como poucos, e Dom Phillips, jornalista inglês apaixonado pelo Brasil.
Se bem observa, tendo o gestor eleito interesse por seu povo, estar no poder exige trabalho árduo. Para tanto, é preciso ter capacidade para identificar-se com a dor alheia, sentir o que sente o outro, procurar conhecer suas inquietudes e apreender seus mais efusivos desejos. Eleger é dar a cada um dos eleitos o dever de estar no lugar de quem o conduziu até lá em atenção ao que espera, compreender suas angústias e comprometer-se, sobretudo, a serviço de cada um e de todos.

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