O Amigo Fued

Por José Faganello | 15/06/2022 | Tempo de leitura: 3 min

“Nada tão perigoso como um amigo ignorante: mais vale um sábio inimigo” (La Fontaine)

Devemos buscar os amigos como os bons livros, pois de nada adianta que sejam muitos, e sim que sejam bons e enriquecedores. Ele era assim. Não teve grandes estudos, mas era sábio. E sua amizade era verdadeira, enriquecedora. Sempre alegre, levava alegria, sincero, elogiava-nos quando merecíamos, também sabia criticar, e como. Mas, o que faz um amigo tornar-se extremamente precioso, uma coisa verdadeiramente doce é quando ele descobre nossas necessidades, no fundo de nosso coração e nos poupa o pudor de termos de manifestá-las a ele. Sem dúvida ele era aquele amigo que poderíamos confiar-lhe a execução de nosso testamento. Não tive a felicidade de conhecê-lo, como amigo, em minha mocidade. Mas o pouco tempo que privei desta amizade, valeu por uma eternidade. E, amigo como ele deve ser usado raramente como os livros preciosos que guardamos com carinho. Ele me enriqueceu e aperfeiçoou, não tanto pelo que me deu, quanto pelo que me fez descobrir de mim mesmo. Nesta vida, árida de boas notícias, de pessoas que torçam pelo nosso sucesso ou preocupam-se com nossos insucessos, ele, para mim, com seus elogios, incentivos, conselhos me fez crescer e lembrar-me sempre do ensinamento de meu pai -“cuidado com as almas secas, estime as generosas”. Bondoso, expansivo, otimista, conseguia ver, em pequenos atos, em artigos simples, valores e elogiá-los de tal modo que me dava ânimo para não parar, continuar a escrever, pois sabia que tinha um leitor, ao menos, que gostava daquilo que eu escrevia. Era confortável possuir um amigo que não tinha surpresas comigo, nem segredos; que não esperava o que não poderíamos dar, não se irritava com nossos defeitos ou quando se irritava o fazia de forma moderada. Entendia nosso modo de pensar e os nossos amores; era de uma compreensão infinita e de uma presença confortadora, pois, precioso para nós, dava-nos a felicidade de nos sentirmos valiosos também para ele. Para certas amizades não há explicação. É como disse Montaigne: “Se me obrigavam a dizer por que gostava dele (do amigo Etienne de La Boétie), sinto que isso não pode se exprimir senão respondendo: Porque era ele; porque era eu”. Em seu velório pude perceber que, felizmente, não era apenas eu que gozava desse privilégio. Manter, até a idade de 84 anos, quando os achaques não só nos incomodam, como nos tornam incômodos, ter um número tão grande de amigos lamentando sinceramente sua morte e demostrando quanto gostariam de tê-lo ainda entre eles é, sem dúvida, o maior testemunho, de seu valor e de sua bondade. Demostrou que foi como um navio, bastante grande para levar uma legião de amigos, tanto com tempo bom como o ruim. Normalmente, o navio costuma esvaziar-se, quando tempo se torna ruim. Fued Kraide, valoroso e generoso levantino, que tive a felicidade de conhecer e tê-lo como amigo, e que hoje tento, sem o brilho que gostaria de possuir, prestar-lhe minha homenagem com esta crônica, para que aqueles que não o conheceram fiquem sabendo. Faleceu na antevéspera de meu aniversário, mas a todos confesso, ele foi um presente inestimável em minha vida. Jamais foi omisso, se pecados cometeu foram por excesso de ação, nunca por omissão. Foi sábio com os amigos e se por acaso teve inimigo, foi um inimigo sábio, como queria La Fontaine. Fued, Teresinha, sua fiel acompanhante por 16 anos, pediu-me que se torne público a grande dor que sente por sua ausência e afirma que impossível seria clonar outro parecido contigo, não na aparência física, mas em suas qualidades morais. Você, também para ela, é único e inesquecível. Seus familiares pensam da mesma forma, acredito. Achei ao arrumar minhas gavetas.

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