Elizabeth II e sua Caminhada Real

Por David Chagas | 06/06/2022 | Tempo de leitura: 4 min

No que escrevo aqui, em nada quero lembrar histórias infantis a que tive acesso quando pequeno, em reuniões de começo de noite, à mesa de jantar quando minha mãe nos lia histórias que, alfabetizados, procurávamos nos livros de que dispúnhamos acreditando nelas.
Antes de Monteiro Lobato, genial sempre, as delícias dos contos de fadas escritos por Grimm, Andersen, Perrault, Dickens e La Fontaine. E a Condessa de Ségur, claro. Divertíamo-nos muito e falávamos destas aventuras acreditando nelas, supondo a magia que lhes circundava, imaginando reais as fantasias criadas.
Hoje, diante do Jubileu de Platina de Elisabeth II, tenho na memória pompa e circunstância da coroação, a que pude acompanhar em O Cruzeiro, revista que jamais nos faltou, por Raquel de Queiroz, nossa dona Raquel, em sua última página, de quem recebi, adulto, dedicatórias e cartas primorosas.
Sei bem que, nas cerimônias reais, no luxo exagerado das residências e dos eventos a que se obriga Sua Majestade, encantando seus súditos a cada aparição, há, diferentemente dos contos infantis, momentos difíceis, dramas familiares, acusações envolvendo membros da realeza que devem tocar fundo o coração da matriarca, Chefe de Estado, mulher e, principalmente, avó e mãe.
Já pude imaginar, em diferentes situações, ao sabê-la vítima de preocupações que nos assombram a todos, de dores morais, sempre públicas em comentários os mais diversos, seu desatino. Quantas não foram as ocasiões, com o avanço dos meios de comunicação eletrônica, de veiculação incontrolável nem sempre verdadeira, ver notícia roubar dos admiradores o fascínio que ronda palácios e personagens imperiais, ainda envolto na magia herdada das historietas, desfazendo, com isso, o encantamento dos finais felizes.
Junte-se a isso a fome insaciável de tabloides sensacionalistas afeitos a maledicências, desejosos de alimentar páginas com fofocas, manchetes exageradas. em busca de leitores famintos da vida alheia, melhor se pertencente a alguma família real e, em especial, a inglesa.
Ela, no entanto, soube contornar tudo isso ao longo de setenta anos. Fleuma, jamais lhe faltou. Soube reinar absoluta. Nas mais diversas situações, jamais deixou transparecer sentimento ou perturbação e contornou episódios os mais diversos com a elegância exigida pela função que exerce.
Para quem, aos vinte e seis anos, assumiu reino de prestígio e poder, cumprir com igual aceitação sua condição de chefe, merece os festejos de agora e muitos mais. Pena que sua idade e sua condição física atual, não traga, em si, as imagens das histórias contadas na infância. São visíveis as marcas impostas pelo tempo e a vida. Marcas, espinhos, lembranças da vida não são privilégio de mortais comuns.
Tenho por ela muito respeito. Chegava a questionar, sempre que lia sobre ela e os seus, o porquê de tamanha admiração. Aos poucos descobri que não só eu, mas o mundo tem, senão afeto, igual deferência. Houve, até mesmo, contam os noticiários, quem entre o final de maio e o início de junho, viajasse a Londres, capital da Inglaterra e sede da Comunidade das Nações, para aplaudir a monarca e ver o cenário em que estaria a postos sua descendência. A ela, e tão somente a ela, se deve esta unidade de sentimentos.
Pode-se protestar quanto ao luxo e a riqueza excessiva, mas não se pode negar sua importância na condução do reino e presença no mundo, ao longo destas sete décadas da história contemporânea.
Estava no Zimbabwe quando visitou o país, à época, membro da Commonwealth. Estou certo de que percalços políticos, econômicos, posturas colonialistas devem responsabilizar a Metrópole por grande parte dos problemas enfrentados no país. Sabemos quanto é difícil ter sido ou ser colônia. Não se pode negar, no entanto, a elevação moral dada por aquele povo à soberania imposta pela nobre presença. Emocionante assistir a sua passagem pelas ruas de Harare sem observar o calor da acolhida em gestos vibrantes.
Nenhuma dúvida: Elizabeth II é, em si, a identidade britânica. Além da palavra medida de Chefe de Estado, sob aparência delicada, mas com real segurança, deixa, com sua presença, pelos inúmeros países nas diferentes partes do mundo, onde esteve, esta notável característica de seu longo reinado.
A rainha é pop. Ninguém em sua condição de Chefe de Estado soube valer-se da mídia e disseminar por meios massivos de comunicação, sua imagem e seu caráter. Acena a seus súditos com delicadeza, mas entende como e quanto deve aproximar-se deles. Veste-se com cuidado e se vale da vestimenta para que a reconheçam entre tantos, em toda sua nobreza. Age com igual comedimento, com a massa e com os chefes de governo e de estado. Conhece, como ninguém, todos os passos do relacionamento internacional e faz, com sua presença, com seus gestos e sua atitude, o mundo entender, até nas situações mais difíceis, a menagem necessária e esperada em cada um deste momentos.
No chão dos jardins do Palácio a rainha acendeu um caminho de estrela que levou à Árvore das Arvores, luz, a que iluminou a história do mais longo reinado vivido pela dinastia de Windsor.
Deus salve a Rainha!

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