Para quem já percorreu a estrada, é quase impossível não lamentar. Dói n´alma a decadência brasileira. E alimenta temores cada vez mais agudos: o que será deste país nas próximas décadas? O que se reserva às nossas crianças e adolescentes? E não se trata – como ressentidos ou indiferentes poderão alegar – de cassandrismo do jornalista. É nossa realidade cruel e assustadora, já e agora manifestada pelas multidões de desesperados. Como pudemos chegar a essa tragédia social?
Um fato despertou-me para a irreparável perda na educação e na cultura, com consequências nefastas. Tendo, então, chegado aos meus 60 anos, decidi ingressar na Faculdade de Filosofia. Era preciso reciclar-me. E o que ocorreu? Na Universidade, no ano 2.000, ensinava-se, em filosofia, menos do que aprendíamos no curso colegial nos anos 1950!
Sofridamente, faço tais reflexões após a leitura de um livro do sempre notável Fernando Moraes. As obras dele – vejo-as assim – impõem respeito. Lembro-me de “A Ilha”, revelador estudo sobre a Cuba tão nossa desconhecida; e de “Olga”, “Chatô”, “Corações Sujos”, entre outros. E, no ano passado, ele surpreendeu o Brasil com o livro “Lula”.
E eis que me arrisco a ser alvo da torrente de ódios que o simples nome Lula desperta em grupos por aí espalhados. Por que? Não sei. Mas sei que Lula, desde a sua ascensão como líder operário, despertou sentimentos exacerbados. De aplauso e admiração; de raiva e desprezo. Tudo começou na histórica greve do ABC, em 1979/80, ainda durante a ditadura e sob a guilhotina do AI-5. Cerca de 150 mil operários paralisaram as fábricas e a ditadura começou a cair ali. Pois os militares de plantão – um que outro ainda está por aí, destilando ranços – despertaram para uma realidade que tentaram ignorar: no Brasil, havia um povo! E a paciência esgotara-se.
Naquela explosão heroica, uma figura despertara a atenção nacional: um ainda jovem líder sindical apenas conhecido como Lula. Não há, hoje, como narrar o magnetismo que atraiu os brasileiros. Como um incêndio que se alastrara, o rapaz tornou-se irresistível. Lula passara a ser acolhido pelas chamadas elites, por madamas do tal “soçaite”, chegando, até mesmo, a ser eleito o “homem mais sexy do Brasil”. Algo, hoje, quase inacreditável.
Marquei, à época, minha admiração pessoal num artigo com título emprestado a um filme italiano: “Lula, o metalúrgico”. Quando, porém, ele ingressou na política partidária, recuei. Fui, aqui, um de seus mais ácidos críticos. Até que, após alguns anos, perguntei-me: “Por que não?” E votei no homem que, no Brasil, parecia repetir a ascensão do polaco, também operário, Lech Walenska. Não me arrependi. E o trabalhador metalúrgico se tornou o mais celebrado político brasileiro das últimas décadas, saudado e reverenciado internacionalmente. Com exceção, é claro, por setores elitistas brasileiros. Como se estivéssemos na Idade Média, caçando bruxas, eles viam, naquele líder, um arruaceiro comunista. Aliás, ainda hoje, a palavra comunista é usada para atemorizar as populações mais ingênuas.
Parece, porém, que ódios e medos não mais surtem efeito senão nos ferozes grupos negacionistas. As recentes prévias eleitorais – embora refletindo um momento – revelam a repetição do que já acontecera antes: “a esperança vence o medo”.
Retorno à obra de Fernando Moraes. É mais do que um livro. Trata-se da impressionante história vitoriosa de um sertanejo brasileiro. Ame-se ou odeie-se o Lula – a dele é uma vida que merece respeito. O livro faz pensar. E, então, admirar.
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