Maio em Mim..

Por David Chagas | 08/05/2022 | Tempo de leitura: 4 min

Quem terá dado a maio, o nome? As flores da primavera do hemisfério norte? Uma expedição contra mouros? Ataviar em flores seus dias?
Abril, com rosas, anuncia maio. Maio de Maria, a cheia de graça, cheia de Luz. E das que, como ela, trazem consigo o fruto bendito e bem-aventurado. Todas são Maria. Ela, Santíssima.
Na sertania, os velhos sábios, a quem Deus preservou no olhar e gesto a Sua própria face, fincam pé na terra quando maio chega. Atender à luz do sol vida, engendrando frutos no plantio.
Maio de Maria Santíssima, dizem eles, a que alivia a quentura ao soprar brisa, traz chuva leve amaciando o solo, engorda a colheita, sacia a fome.
Nestas manhãs, ao abrir o dia, o sol revela tudo o que a noite escondeu. Vê-se, até mesmo, o que não fora visto até então. O chão formiguejado, formigas-soldados a postos num desassossego sem fim. Abelhas ainda afoitas, enxame fervilhando. Passaredo. Os pássaros, saiba, Maria os traz em roda do manto azul que a cobre.
Tenho comigo, há quase cinquenta anos, uma imagem assim, de artista naïf. O campesino, esperto, de pronto, afirma: num disse. Verdade mesmo? pergunta. (Para ele, a imagem é a santa. Olha, acolhe, acarinha, pede e beija). Que pássaro a adorna? Mariquita? pintassilgo? curió? bem-te-vi? melro? cotovia? Rouxinol?
Há de ser rouxinol. Canta como ela. O verdor do campo os atrai por trás dela. Maria os conduz no manto que esvoaça.
Quando acaçapado ouvia histórias assim, tantas verdades que só os caipiras como eu podem entender, quanto gostava da pergunta ao fim do causo. Tá entendendo? Claro! Melhor que na escola.
Um deles, disse-me um dia: A mim, me falta a mãe. Por este tempo, desconhecia. Seguiu: aceitou deixar tudo para trás, sem criar enredo. Disse nada, não. Dormiu. Eu quem, no desfecho, gritei: Fica, Mãe! Maio já chega! É quando Maria traz saúde aos enfermos. Não adiantou. Fechou os olhos como se respondesse: Que me acolha! E foi-se. Só me lembro de ver nela, estampada, a Rosa Mística.
Como são bem afortunados estes campesinos, ricos em espírito e graça! Como sabem de maio e seus segredos.
Quando menino, me interessava observar a forma como a vida se exibia. Até mesmo nos cachorros que frequentavam nosso quintal. Tudo era distinto e o tempo, na zona rural, se contava de outra forma. As abelhas no modo folgazão que circulavam entre folhas e flores, numa conversa só delas davam vida a tudo. Como pareciam divertir-se trabalhando, mesmo quando zangadas com a presença humana. Demorei a entender sua importância entre todos.
Maio chega assim: dia do trabalho! De Santa Cruz! Das Mães! Já não se vai à capela num ritual de respeito à Maria Santíssima. Que pena! Tão bom reconhecer nela a minha, a tua, as mães do mundo. Os cânticos e rezas revelavam a grandeza daquela que, por certo, foi quem fez brotar em seu coração, vida, doçura e esperança para semear no coração dos filhos.
A vinda para a cidade roubou de mim o encantamento da revoada dos fins de tarde nas árvores do jardim de frente de casa e nas do enorme quintal, por trás. Onde se meteu o passaredo daquele fim de dia? Como alegrar o coração de mãe sem oseu canto?
O entardecer era, sem dúvida, exercício de vida. Momento de gratidão. O alimento ao longo do dia, a alegria de estar. A Hora do Ângelus. O sino da capela.
O tempo sufocando o dia fazendo reconhecer o milagre da vida. Não só em maio. Sempre. Deus dá. Mas quem prepara o que dá? Quem gera? Quem parteja? Quem está ali repetindo a grandeza da criação? Ela, a Mãe. O dia é dela.
Desse jeito simples nas conversas escutadas no fim de tarde, nos nasceres e pores de sol, azuis, limpos, vivos, nas noites abençoadas por sua voz, cantarolando cantigas, em histórias contadas, nos livros infantis lidos ao redor da mesa, aprendi a sentir cada dia mais o quanto Deus soube escolher de quem brotaria para provar do milagre da vida.
Bemvinda, minha mãe, nome assim grafado, fazendo entender a razão dele, hoje, vagueia o espaço. Por certo, entre nuvens, sabe dos filhos de forma diversa daquela quando, sem querença nenhuma de ir-se, nos deixou. Ganhou paz, bem sei. Ausentou-se de dor e sofrimento. Mesmo entendendo, repito o poeta:
“Fosse eu rei do mundo, baixava uma lei: ‘Mãe não morre nunca! Mãe ficará sempre junto de seu filho.”
Não sente vontade de repetir comigo ainda que não conheça desta dor? O reverso dói mais, muito mais, bem sei. Mas devolver ao Criador a criatura por ele indicada a nos dar a Luz, não é tarefa fácil.
Em carta, o poeta, em dias marcados pela ausência da mãe, escreve, ao sol posto, como eu, agora, falando de si e dela, das marcas, dos espinhos, das lembranças da vida, quando se perde a sabedoria das crianças.
Reconhecer o envelhecimento, perder a seda do rosto, a agilidade do corpo, a disposição pela vida nos rouba o sonho, sem diminuir em nada o amor que lhe temos e o que emana dela.

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