Não me julgue mal! Queria tanto não houvesse, a ninguém, tempo para ocupar-se senão de si mesmo. Se tem relato assim, faça como Belchior e misture os tempos verbais, minimizando a angústia que nos devora. Pouco importa o que possam dizer os puristas da língua. Só você conhece o valor do texto, catarse para o sangramento que a vida impõe, destruindo sonhos, desvirtuando ilusões, machucando, ferindo enquanto o se busca o futuro.
Cuide-se. Eu, cuido de mim. Você, de você. Juntos, abrimos horizontes diversos onde cabemos muitos, com iguais vontades.
Ver o cenário nacional e seus protagonistas, a todo instante, e não sentir a alma sacudida é não importar-se consigo mesmo nem com o outro. Parar, pensar, sentir, aos borbotões, este jorro de maledicências e mentiras, de desrespeito a instituições e leis sem dar-se conta é entregar-se ao mal, alimentar a desunião, desconsiderar.
Há tanta coisa sem sentido pelo caminho. Difícil vencer tanto mal. Muitos não veem. Não é de ver, na verdade, é de sentir. Não é ser contra este ou aquele, posicionar-se à esquerda ou à direita, importa bom senso, só isso, e ver além do que a vista alcança.
Agora, este que solta fogo pelas ventas feito menino mal-educado, incendiando a plateia, indicado que foi por seu partido político para figurar em comissões que deveriam cuidar dos tropeços dados por ele mesmo, quer agigantar-se diante do país. Entender como? Culpa dele? Não. De quem o elegeu, do par tido e de quem festeja a seu lado de forma desdenhosa, oferecendo ao menino mais mimos do que deveria ter. É a ascensão do mal. Pior que a pandemia. Sem vacina possível.
Não peço ajuda nem a você nem a ninguém, porque só eu mesmo sei quanto tenho sangrado diante disso tudo. Sangra, também? Fica amuado pelos cantos. Ou se irrita diante do inexorável?
Só eu mesmo conheço o que me dita a sorte, ao ver colheita distinta do que plantei. Pior é criar expectativa do bem e obrigar-se a colher o que não se esperava, que se mostra, agora, disponível para a ceifa.
Neste sol de abril, vivo, brilhante, dourado, espargindo raios de liberdade, triste sentir quantos são incapazes de aperceber-se do que ensina a natureza. O poeta disse chorar pra cachorro. E como! Mais a cada dia.
Neste ano não queria repetir o ano passado nem o anterior nem o outro. E você? Dispõe-se a sofrimento igual? Este ano, não morro! diz a canção, ensinando. E Deus, que me proteja de mim e da maldade de gente torpe.
O tempo, impiedoso, acelera. Rever o plantio. Cuidar da maldição das ervas enredadas por todo lado, da asfixia do bem. Ser forte já que não falta quem nos empurre fortemente para igual atoleiro a cada ano.
A ordem deveria ser uma só: desvencilhar-se do ervaçal imundo que sufoca, impede a semeadura, aniquila, interrompe o curso do sonho, da esperança, do desejo incontido de acreditar que, brasileiro, nos salvaremos do caos em que nos metemos. Este ano eu não morro! E você?
Belchior em lágrimas pergunta nas entrelinhas, num texto irônico, quantos estariam felizes com esta desgraçaria toda acinzentando os dias. Há quem não veja. Há os que conseguem, sem surtar ou, mesmo surtando, empurrar o incômodo, tentando abrir espaço para outros sóis, o de outubro, por exemplo, numa marca de esperança na vitória da verdade, da justiça.
Num jogo verbal inteligente, Belchior ensina a não repetir o ano passado avisando: este ano, não morro!
Há uma chave que permite vibrar positivamente. Ser brasileiro. Chorar pra cachorro há de ficar no passado. Sofrer pra burro, presente, que, na força da expressão e do animal que lhe dá vida, permite ver o novo sol chegando.
Caramba! Hora de acertar o passo definitivamente. Se falta pensar, leia e pense. Não é tempo perdido, esteja certo. É dar-se conta do sentido, esperança minha, na busca da luz. Dar sentido à vida, ver florir um campo de miosótis com uma árvore ao meio dando sombra a pássaros, filtrando os raios do sol, respirando vida, certo de que é possível acreditar. Neste ano, não morro. Não morro se acreditar na brotação da paz, da mudança, sem mentiras e sem agressões desnecessárias.
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Na tarde em que escrevia este texto tentando fazer dele um chamamento aos de boa vontade e de boa verdade, depois de ouvir um de meus netos cantarolar Belchior, chegou-me a notícia, triste, pesada, difícil da morte de Antonio Carlos Mendes Thame, ex-prefeito de Piracicaba, ex-deputado federal, pai de Sofia, marido de Nancy, secretária municipal do Meio Ambiente em Piracicaba. Thame, tantos serviços prestados, tanta luz oferecida, agora, na paz dos braços de Deus.
Fomos companheiros de magistério. Ambos fizemos da língua portuguesa nossa paixão e nosso trabalho. Ele, devotado à gramática. Eu, fazendo crer que, da leitura dos clássicos e da absorção da verdade contida em suas obras, a língua em si se revelaria em todo seu esplendor.
Gostava muito do Thame, de ouvi-lo, de estar em sua casa na rua da Boa Morte, de conversar com dona Carolina, sua mãe, de reencontrar Nancy, também ela minha ex-aluna. Que pena! Bom seria ter tido oportunidade de falar-lhe da esperança em tempos novos, mais vivos e mais verdes.
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