Dalmo Dallari. Corajoso e intocável!

Por David Chagas |
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Carta publicada por Dalmo Dallaride Oliveira Lima (Opinião, Folha de São Paulo, 8.4.22), palavra afetuosa para um último aceno me provoca escrever. Te amo, afirma ele, referindo-se ao avô. Nós o amamos! Somos em igual medida, estejas certo, gratos por saber-nos brasileiros como ele. E por te termos, no ideal e na palavra.
Te conto quando, na idade que contas,pude conhecê-lo no mesmo dia em que abracei também a dom Paulo Evaristo Arns. Dos dois, pude receber palavra de luz e de compaixão em tantos dos meus dias.
Assim, me perdoas, ao somar aos teus, os meus sentimentos, não em igual medida, mas igual lealdade. Sobre ti, tenho uma vantagem: ganho muito em idade e da altura de meus anos, posso afirmar a importância de teu avô na luta contra toda sorte de injustiça, de terror e de medo que se ergueu sobre nós. E persiste.
O que me alimenta mais vontade de dizer-te, recém-chegado do interior do estado, em busca da realização dos sonhos, a dádiva de encontrar, no mundo católico, a oportunidade desta aproximação.Estava em tempos do sonhar. Aqueles, no entanto,foram difíceis, obscuros, pesados, carregados de medo, exposição de injustiças. Momentos da história quando alguns se valem,com sutil habilidade,da prática do mal, vibrando com ele, encantando seguidores fanáticos, assegurados por uma ilegalidade injusta.Teu avô, Advogado, assim, com maiúsculas nobres e bem grafadas, sabia elevar sua voz, não no tom, com grandeza de Espírito e de Alma.
Nele, como sabes bem com teu olhar de neto, era possível encontrar sensatez e calma que permitissem evitar, num tempo como aquele e, por que não, como este, inconveniências e perigos. Cautela e precaução indicavam ser caminho para a sobrevivência onde tantos choravam seus maridos, seus filhos, suas esperanças perdidas. Aí se ouvia a voz de teu avô!
Por isso tudo, aquela manhã vestiu-me de esperança. Retomei o sonho. Chegar, conquistar São Paulo, viver como vivia na calmaria da minha cidade, onde passava o trem numa velocidade que, por certo, se igualaria à minha, quando a capital me apresentasse suas ruas, suas escolas, suas bibliotecas, sua gente, permitindo a ação, no sonho.
Ali, diante de pessoas como dr. Dalmo, por exemplo, uns, com a sabedoria da Palavra, a que emana da inspiração divina, exemplo inconteste para o Caminho, a ser seguido em busca da Verdade,que resiste ao tempo e brilha por si mesma, que faz Homem, o homem, exigindo coragem, mas permitindo, sempre, sem recuar do sonho, sonhar outra vez.Ele, Dr. Dalmo, voz atuante, senhor absoluto da Comissão de Justiça e Paz recém-criada, anunciando, com sabedoria e força, violações cometidas pelo Estado que deveria impor-se em favor de ordenamento jurídico que garantisse liberdade e determinasse Justiça verdadeira.
Saí daquela reunião revendo tudo. Dela, levei comigo, a Luz de teu avô, presente em meus dias. De volta ao interior, dois anos mais, nesta cidade onde escrevo agora, encontrei nele, na sua orientação, a palavra capaz de indicar-me o caminho. Superei obstáculos jamais imaginados aprendendo sempre a importância de transpor pedras no caminho.
Entendes melhor, agora, a que altura brilhou sobre mim a luz de teu avô, ao longo de toda uma vida marcada por “injustiça imposta por segmentos sociais dominantes, à margem do direito ou contra ele” a que somos obrigados a submeter-nos, sem vislumbrar, no trânsito por instituições sabidamente supremas, que as julgue em prol de seu enfraquecimento?
Os meus sonhos, Dalmo,ainda vivem ao redor de mim, enchendo-me a vida, pelos que, a teu lado, construam futuro à luz do exemplo de teu avô, corajoso e inatacável.
Encosto-me como posso às árvores e às flores. Outra coisa não é senão brotos das sementes que tentei espalhar pelos caminhos, para amenizar a caminhada. Dele, de teu avô, me veio a seiva necessária.
Dr. Dalmo de Abreu Dallari, a grandeza de Ser. A esta formação extraordinária, juntou saber. Cumpriu e seguirá cumprindo na eternidade, por seus livros, todo este ideal. Poucos souberam como ele. Ele soube. Ele É. A todos se dirigia com igual respeito, reconhecendo em cada um compromisso assumido na preparação da vida. Seus gestos provavam isto. Assim não fosse, seríamos tão iguais que perderíamos o exemplo. Único.
Quanta orientação dada. Quanta lição a ser seguida. Quanto aprender! Que dignidade ao ouvir! Que lucidez ao indicar a rota. Nunca deixou de atender-me ao telefone, em casa ou em seu gabinete da Faculdade de Direito. Sempre que com ele falava, a alma estremecida de arrependimento, por ter-me submetido às imposições da vida afastando-me de meu primeiro grande sonho: as Arcadas onde, por certo, ter-lhe-ia seguido os passos bem mais perto.
Há quem tente anuviar o brilho das estrelas. Nas lições deixadas, reavive-se a esperança. Não abandonar jamais o Homem, com seus Direitos Fundamentais a serem respeitados. Será possível ver em seus raios de Luz, o dever de lutar sempre e sem medo, por Verdade e Justiça.

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