Últimos retalhos

Por David Chagas | 10/04/2022 | Tempo de leitura: 4 min

Espero contar com leitor generoso, como tantos que se têm manifestado, capaz de alimentar seu domingo com algum prazer, conhecendo um pouco mais destas histórias minhas. O desejo, no fundo, é tentar, antes do fim, fazer com que a escola, os alunos, os professores sintam alegria e prazer nisso e prossigam, como o velho semeador, a semear o bem da vida. Antes, no entanto, é preciso acreditar na Luz do Mundo, no Sal da Terra, no brotar da semente, até mesmo na importância do espinho. Não só em casa. Na escola. Na vida.
É também preciso fazer pela Terra, por ela e aos que nela vivam, o que faz o sal e impedir que se deixe contaminar. Se cada pedaço da Terra mostrar-se, como se tem mostrado aqui e o sal não salgar, insistir. A culpa pode ser da aridez, da decomposição do mundo, pervertido, que não se deixa salgar. Ou de quem, saindo a semear, procura ser o que não é, finge ser, imita sem sentir.
Fernando, padrinho desta terra de prados, colinas e horizontes, de rio onde o peixe para, por aqui, chamado Antonio, o Santo, ao ver, no seu tempo, a maldade se alargando entre os homens, em Portugal, valendo-se da Palavra, se aproximou de peixes. Não estou certo como reagiram os vertebrados aquáticos. Conheço, no entanto, a falação a respeito do milagre antonino, e nas andanças por Portugal, procurei entender ao ver esparramados pelas igrejas de Guimarães, desenhos fantásticos com peixes saltando fora para ouvir o santo revelando em seu sermão a Luz do Mundo.
Passei a testemunha de história contada em azulejos, renovando, com isso, o natural desejo de mudança. Pensava: se entenderam os animais da água, por que não entenderão os homens sobre a terra?
Abancado, escrevo. Não sei bem se lhes interessa saber, mas o cair da tarde ou a noite começada me levam a pensar nisso, tocando-me fundo, trazendo-me sensações antigas de encontros e reencontros com o ido, o lido, o tido, o visto, o consumido e o consumado. Sei bem que vida é isto, este desejo de estar, de continuar vivendo, de sentir o já sentido, mesmo sabendo do fim, da morte. Clarice afirma que se morre de viver!
Tudo – será a proximidade do fim ou o algum começo – provoca a urgente necessidade de entender o já vivido. Já não mais procuro entender. A vida, em si, ultrapassa qualquer possibilidade de entendimento. Saber destas coisas todas e ver repetirem-se erros, sem que nada tenha sido repensado ou aprendido, me acende por alguma razão, o motor da saudade.
Aquieto-me. Leio uma vez mais centenas de mensagens que me chegam de todo lado, provocando. Uma e outra acabam por dizer-me: lembra-se? Foi assim. Não posso. Não devo. Mas quero lembrar e dizer para que fique, mesmo ao sol posto, a réstia de luz que me alimenta a lembrança. Dizer isso pode revelar fraqueza. Não importa. Ser forte não determina esconder verdades.
Caetano Veloso, envolto em iguais afetos e emoções, permite valer-me de seus versos ao deixar-se mover pelo incômodo da saudade. Sem saber quem sou, nem que vivo por estas bandas, em terras do Santo Peregrino, que veio antes para proclamar e batizar quem chegaria depois, plantou raiz aqui e segue, preso ao solo, insistindo às almas ter passado a hora de absorver a Luz do Mundo e o sal da terra,
Caetano. Eu, o contador de histórias. Eu mergulhado em silêncio profundo. Ele e o sorriso quieto no seu canto. Comigo, a sua voz cantando “o ido o tido o dito o dado o consumido o consumado”. Por Caetano pergunto. Entende? “Ato do amor morto. Motor da saudade.”
Prossigo na lição do Mestre que, ao semear fez uso do sal, na terra. Com isto, a presença dos primeiros destes jovens ajudando-me a escrever histórias, por certo mirando-se em cada palavra dos textos anteriores. Seguem comigo. O mestre não se apartou deles. Tenho-os aqui, iguaizinhos. Maria Isabel, em toda sua beleza e encantamento, hoje, mãe de dois filhos, roubados com brilho ao saírem em busca da ânsia pela vida, ao receberem dela e do pai herança de respeito, de bondade, de carinho. Ela e seu marido, Domingos Edmundo. Délton Hebling, Carlos Bútolo, Nair Helena, Luís Fernando Peña Gonzales, sem falar do punhado de jovens sabidos e criativos da Escola Industrial, do Batista Leme, de Saltinho. Mílton Geminignani, Hélio Hussni, Luís Carlos Pimentel, Maria Cristina, D’Abronzos, Pettis, Itamar, a saudosíssima Irmã Maria de Nazaré, todos que, a partir de agora, hão de rever-se nos textos anteriores quando provoquei leitores a revirarem minhas histórias, não por elas, mas para chacoalhar comigo a maldição do mundo e saber quanto é possível encontrar de bem mal percebido.
Ah, o sal da terra! quando salga, salva! ignorando a rapidez do tempo. “Diluído na grandicidade/ Canto quieto o que conheço/ Quero o que não mereço/ O começo.”

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