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Por David Chagas | 03/04/2022 | Tempo de leitura: 4 min

Ah o professor! Quanto gostaria de celebrar os meus. Mortos? Alguns dormem profundamente. Outros, na caminhada.
Dia destes, chamei ao telefone uma escola onde ensinou minha mãe. Atendimento inóspito. Teria errado o número ou se perdeu no tempo a nobreza do local? Lembro-me bem que o professor Salles Colonese, diretor da escola, elegante no trato, tratava suas professoras, nobres na arte de educar, como baronesas, numa alusão ao nome da instituição.
Mestre nisto, este aparentado do presidente Campos Sales se valia do nome de suas educadoras para acolher seus herdeiros quando por lá apareciam. Quanto nos alegrávamos nisto quando ao ver-nos exclamava: Bem-vindos os de Bemvinda! Bendizendo com isso o colo que nos guardou, o berço que nos embalou, o pai que lhe dera nome, desrespeitando grafia, valorizando significado e conceito da palavra
Não imaginava ser professor. Outros, os sonhos. Quantos desejos guardados. Quando as circunstâncias impõem determinando rumo a ser tomado, melhor não lutar contra. Traçaram-me o caminho. Trazia comigo o exemplo e a retidão de meus pais. Não os decepcionaria, como não me decepcionei. Ao licenciar-me, em São Paulo nos anos setenta, com rota já estabelecida, dando a escolha por definitiva, pude conhecer Dante Pignatari, João Carlos Signorelli e outras centenas de alunos no recém criado colégio Objetivo, pude saber que estudar ainda mais para ensinar, aprender ensinando, ser elegante e respeitoso com o aluno, traria resultados inequívocos.
Nesta trajetória, ver que a Escola – e aqui ponho maiúsculas – havia deixado de ser risonha e franca, me feriu profundamente. Durante o tempo em que estive à frente das salas de aula, até mesmo diante de adversidades – negar seria mentir a mim mesmo – sempre procurei oferecer o que aprendi com os meus e meus professores. E se hoje faço manifestação de apreço e gratidão a meus jovens estudantes, é porque reconheço, na maioria deles, o apoio, a solidariedade, revelando, sem cuidado, as pedras no caminho, sobretudo aquelas postas ao longo da caminhada pela família, pelos colegas, pelos gestores e por alguns deles.
Nas redes sociais, dia destes, emocionei-me. Alguém reproduziu um texto meu em que, por alguma provocação da memória, na contação de histórias a que me dedico, incluí minha mãe, morta há quase cinquenta anos. Alguns de seus alunos, ao lerem meu texto e reconhecerem nele a mestra, não hesitaram em escrever-me da importância dela em suas vidas. Segundo alguns, hoje, com mais de oitenta anos, minha mãe foi quem lhes ensinou a despertar para a palavra mágica. Ao sabê-los alfabetizados, foi quem lhes chamou para viagens mágicas através de livros a que estavam aptos, a partir do instante em que o horizonte não lhes pareceu tão distante.
Uma vez mais, Fabrício Carpinejar é quem, numa crônica, dá-me o tom: o professor não deve informar; conta histórias, funciona mesmo sem ‘wi-fi’, mesmo sem luz, mesmo no temporal.
Como sabe dizer tanto em tão pouco este jovem escritor. Revela o aprendido com seus mestres e seus pais, de quem já falei por aqui. Sábio e sensível, Carpinejar diz que o Professor não cria dependência. Possibilita amizades. Como? Por quê? “Porque o professor pode mudar o destino de um assunto, voltar atrás, recomeçar de novo, dependendo das necessidades da turma. Porque o professor não realiza só o que você deseja, vai além, com detalhes e comparações. Lê a sua alma quando levanta o dedo para a pergunta, não apenas recebe uma dúvida. Porque o professor também se importa com aquilo que não entendeu, mais do que aquilo que quis perguntar”.
Não se havia dado conta de tudo isto? Amadureça e sinta. E se vier a ser professor, não tenha pressa. Há tempo para tudo sobre a terra. A meninada saberá avaliar o que, vindo de você, com seriedade e sabedoria, valeu a pena, esteja certo, e se voltará para o momento em que, sua luz permitiu enxergar, ver, conhecer, entender, despertar para a vida e para o mundo.
Tivesse havido quem, com precisão oriental, lhe ensinasse a sabedoria dos haicais entenderia a razão desta sequência de artigos. No quadro daquele colégio li, numa tradução grosseira: Mestre, veio antes/ sabe mais/ merece respeito!
Numa sala de aula do Colégio Bandeirantes, em São Paulo, com maioria absoluta de alunos de origem japonesa, há mais de trinta anos, encontrei no quadro, este poema Vi. Senti. Vinha desenhado em caracteres originais, de forma tão extraordinariamente bela. Emocionante.
“Espero que a dor se acalme, que seus dedos encontrem o teclado e escrevam, pensamento talvez egoísta de minha parte. Não quero que pare de escrever. O artigo reflete, como muitos dos seus escritos, sua contínua luta para promover uma educação humana e, posso dizer, sendo parte dessa experiência viva, quanto valeu a pena. Nós, seus alunos, ganhamos muito com isso”. Araripe Garboggini. Londres.
A mensagem de Araripe, o haicai no quadro, a lembrança querida de Taro Ariga, Paulo José dos Santos, Angela Akelmi Fujishita, Edna Okuyama, Luiz França Reis me dá, na velhice, voz, gesto, força para tentar mudar a Escola e a Educação brasileiras. Sol, façamos o dia, involuntariamente.

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