O “Sobrenatural de Almeida”

Por Cecílio Elias Netto |
| Tempo de leitura: 3 min

Muitos não sabem, outros fingem não saber, alguns esquecem e há quem, ainda, renegue. No entanto, também no Brasil – e cá, em Piracicaba – a imprensa tem sido parte vital de lutas, enfrentamentos, conquistas sociais. E muitos jornalistas contribuíram para a liberdade que, apesar de agora ameaçada, ainda desfrutamos.
Há, entre eles, alguns memoráveis, esses que ficam na memória do povo. Tivemos – no terreno da crítica social, do humor – duas personalidades especiais: Nelson Rodrigues e o “Stanislaw Ponte Preta”, o Sérgio Porto. Suas crônicas eram apaixonadamente aguardadas pelos leitores.
Nelson Rodrigues criou o “Sobrenatural de Almeida”, personagem que, com o tempo, se tornou figura nacional. Nelson era fanático por seu clube de futebol, o Fluminense. E passou a responsabilizar o “Sobrenatural de Almeida” – sua invenção – por tudo o que de ruim, de azarado, de prejudicial acontecia ao seu time querido. Se perdeu, se o juiz roubou – culpa do “Sobrenatural de Almeida”.
E eis, então, que o “Sobrenatural de Almeida” passou a ser reconhecido em diversas cidades do Brasil. Acreditava-se que a trêfega figura trazia azar às cidades. Conturbava as comunidades. Em Piracicaba, o “Sobrenatural de Almeida” foi responsabilizado por tragédias. Pois – ao final dos 1960 e início dos 1970 – grandes lideranças políticas desapareceram. Morreram, um após o outro, os prefeitos Luciano Guidotti, Cássio Padovani, os políticos
Guerino Trevisan e Jorge Antônio Ângeli. E a ditadura cassou o mandato do também prefeito Salgot Castillon. Nos bares, botecos, nos terreiros, tentou-se exorcizar a presença do “Sobrenatural de Almeida”. Esperava-se que ele nunca mais voltasse. Mas voltou…
Quanto ao “Stanislaw”, ele criou e manteve o impagável FEBEAPÁ (Festival de
Besteiras que Assola o País). Estivesse entre nós, ele criaria – e com delícia – o FEBEAPI (Festival de Besteiras que Assola Piracicaba). E, por besteira, entenda-se o “besteirol”, definido pelo Houaiss como: “gênero de espetáculo leve humorístico”. E que “extrai sua comicidade do absurdo, do ridículo, do grotesco, da troça e da crítica social, sem compromissos com teses.”
“Ocupar” o Engenho Central é besteirol pelo que carrega de absurdo e de ridículo. E transferir a Pinacoteca para o nada é besteirol ao quadrado. E não para aí. Nessa hora amarga de sofrimento, de doenças, de fome, de miséria, de multidões morando nas ruas – uma vereadora de Piracicaba decide criar um “solarium” para aquecer os cachorrinhos. Vida de cão, pois, está melhor do que vidas humanas.
Ora, de teatro, algo entendo. Como autor, tive, pelo menos, um prêmio de dramaturgia. No entanto, não suporto a chanchada, essa peça sem qualquer valor. E, por outro lado, admiro a farsa teatral, comédia com poucos atores e em um só ato. O problema, em Piracicaba, é que estamos diante de chanchadas e, quando se pensa em farsa, ela está longa demais e com personagens demais. Seria malvadeza do “Sobrenatural de Almeida”? Basta atentar-se para o Condepac para constatar a chanchada de mau gosto.
Ódios políticos, cidade paralisada, lixo nas ruas, famílias desabrigadas, petulância ofensiva, despreparo, idas e vindas. É o Sobrenatural de Almeida em plena atuação. Ou não é tolice do “Sobrenatural de Almeida” abrigar a Polícia Federal – ora vejam! – na Morada das Musas?
Há que se fazer reza brava para o Sobrenatural de Almeida ir-se embora. Como aguentar, por mais tempo, azar e besteira em tal dimensão? Axé!

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