Hoje posso entender o bem que me fizeram livros e professores que caminharam comigo. Estudante de grau intermediário (foram tantos nomes dados a este período de vida estudantil que já nem sei como devo chama-lo), colhido com toda minha geração, no meio do caminho, por acontecimento pesado, vi esgarçarem-se os sonhos antes mesmo de formar esperanças no seu encalço.
Fora educado para pensar, buscar, indagar e indagar-me. Obriguei-me, ainda pequeno, à pesquisa, para descobrir nela o real sentido de tudo, inclusive da vida, intervir com elegância para, intervindo, educar e educar-me.
Discutir e, na discussão, respeitando sempre o interlocutor, alimentar a curiosidade. Sonhar e viver, na expectativa, a alegria, a vitória, a mágica do momento em que a busca revela o anteriormente imaginado.
Lembro-me de saber que para isso, essencial era ser livre, trafegando por diferentes pensadores, aproveitando de cada um o que deles desejava para entender o mundo. Mais que isso, entender que liberdade de escolha e de ação dá sentido e valor à procura.
Adolescente, descobri na caminhada, muitas vezes solitária, já que estar atento e seguir roteiro próprio incomoda. Poucas mãos estendidas. Conto nos dedos luzes que me alumiavam ao longo do caminho. Nos desvãos, os que desejavam, muitas vezes entregues ao medo e à repressão, se deixaram arrebatar pelo regime político que indevidamente se intrometera na Educação.
A imprensa atenta me conta que este atrevimento prossegue, com um viés religioso que trata Deus de forma indevida e se vale disso para penetrar fundo na Luz que, dele, não se intimida, mas se dissipa, envergonhada destes falsos agentes e profetas.
Lembro-me de que, nos meus anos de juventude, este estado de coisas jogou sob meus olhos a obra de Cecília Meireles e, nela, o Romanceiro da Inconfidência, fazendo maior o sentido de liberdade, “esta palavra que o sonho humano alimenta/ que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.
A transformação social e política por que passou o Brasil, de que nada sabe a geração atual, nem por isso a torna incapaz de impedir que se repita, trouxe enorme angústia ao jovem que fui, ao provar que era pertinente o sonho.
Sem nenhuma possibilidade de tocar o cálice ou tomar o vinho que me serviam durante a ceia do calvário imposto, entendi ser melhor acelerar a formação e entregar-me, corpo e alma, a trabalhar, sobretudo entre jovens, em favor da redenção.
Se bem vale a comparação, a meninos prontos, permitir sempre alçar voo em busca de Sol e Céu. Caso contrário, ao menos, carretel e linha, para soltarem seus papagaios de papel e, com eles, observarem aves em liberdade, o mundo sem ruídos e explosões, vento e brisa. Primeiro, descobrir, depois relatar, propalar, abrir olhos e mentes de quem não experimentou iguais aventuras.
Não estabelecer limites. Não há limites para quem deseja e quer descobrir, conhecer, provocar mudanças. Se a escola está à espera, frequentá-la e tratar de fazê-la viva. Romper o silêncio e assistir triunfante à explosão de dons e talentos.
Professor, quanto fiz pelos meus alunos para que assim fosse. Quanto sofri por isso e, numa época de obscurantismo e pobreza didático-pedagógica, quanto fui vítima de desvarios.
Por sorte, colho agora o que o Eclesiastes me ensinara. “Tudo tem seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou”.
Feliz, olho. Tenho pelo fruto maduro, assazonado, respeito e entusiasmo. Quantos, como eu, tentando despertar no aluno lição de Bertold Brecht, lutaram com insistência para que investigassem acontecimentos de cada dia num tempo, por menos que reconheçam, de confusão, de ordenação da desordem (como se fora possível), de crença numa matemática cega, sem possibilidade de temperar-se com humanismo supostamente desnecessário.
Tudo deveria ser exato, roubando do homem sua condição humana. Tempo em que a arbitrariedade tinha força de lei e a humanidade se desumanizara. Não queria que os jovens, ali, enfileirados numa sala de aula acreditassem natural tudo aquilo.
De repente, Kaled Faruq Musa, para citar entre tantos, um, me envia, sem que espere, mensagem falada por Lima Duarte. E completa, com maturidade, o que tudo isso representou e representa. Ele que fora luz, sol a pino, em plena adolescência, ajudando a mim e a todos os que de sua amizade desfrutavam.
Ivo Martins, em viagens pelo mundo, pássaro de aço, colecionando imagens, rompendo horizontes, namorando amanheceres pelos céus do mundo, a bordo de avião que comanda. Divide com o professor tudo isso, amenizando dores, abrandando possíveis mágoas, despertando novas esperanças.
Maria Cláudia, esposa de Ivo, num texto belíssimo, acarinha o cansado coração do mestre, dando vigor novo com sua força e sua fé no relato de experiências de vida que a fazem maior do que é. Maria Vitória, aqui, ali, acolá, em viagens deslumbrantes, tendo o professor a seu lado, nas fotos que envia, tentando, a todo custo, fazer com que sinta, apesar das imposições do tempo, disposição igual àquela quando, em sala, num esforço grande, cutucava, incomodava, procurava fazer ver o que a Literatura gritava e muitas vezes o obscurantismo imposto não permitia ver.
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