Outono

Por José Faganello | 23/03/2022 | Tempo de leitura: 3 min

Habitantes de um país tropical, não poucas vezes, deixam de sentir diferenças significativas nas chamadas estações do ano. Os de países temperados não têm como não diferenciá-las.
Talvez por isso, os sentimentos provocados pelas mudanças climáticas afetam, de maneira diversa, uns e outros.
Shakespeare, da fria Inglaterra, em seu soneto LXXIII dá-nos ume exemplo: “Em mim tu podes ver a quadra fria / Em as folhas, já poucas ou nenhumas, / pendem do ramo trêmulo onde havia / outrora ninhos, gorjeios e plumas”.
Verlaine, de uma França menos gélida, não deixou por menos, ao versejar sobre o outono: “Os longos sons / dos violões / pelo outono / me enche de dor / e de um langor / de abandono”.
Nesse início de outono, tive, como acredito que muitos outros tiveram, sensações bem diferentes.
Esse entremeio entre verão e inverno me faz ver um esplendor diferenciado da natureza.

O belo cenário mostrou-me que aos 83 anos estou saindo do outono da vida. Não me senti deprimido, pelo contrário, transbordei de contentamento, pois num rápido balanço pude constatar que entre perdas e ganhos, fui, até agora, um felizardo. Ouvi todas as músicas que desejei, li incontáveis poesias e muitos, mas muitos mesmo, livros admiráveis; embora perdi pessoas que amei e me fizeram feliz, conheci outras, construí sonhos, muitos realizados, a maioria não. Visitei lugares com os quais sonhava em minha infância e juventude, mas julgava-os inacessíveis. Há muitos outros, que hoje desejo conhecer e não consigo. Ri bastante, também chorei muito; pratiquei vários esportes, todos com razoável desempenho; tive amigos que não eram amigos e outros que os são de fato. Medo, senti poucas vezes, aventuras, tive o suficiente: aprendi a nadar e a dançar sem professores. Não aprendi a tocar piano nem a cozinhar (minhas frustrações). Lecionei por 45 anos, sempre com prazer e paixão. É indescritível a satisfação de ter uma legião de alunos que venceram na vida, superaram o mestre e são hoje, cidadãos prestantes. Revi conceitos, corrigi muitas falhas, espero errar menos e melhorar minhas qualidades. Aprendi com Johnn Shedd que: “Um barco está seguro no porto, mas os barcos não são feitos para isso”, portanto, não devo temer enfrentamentos. Pelo exemplo de meus pais e sogros, constatei que um casal é verdadeiramente feliz quando vivem um para o outro. As folhas caídas e o choro do vento uivando nos fios de eletricidade não foram capazes de me levar à melancolia, mas recordaram-me os verões ardentes e as primaveras inesquecíveis. Vi, naquelas folhas caídas no caminho, como em meus cabelos também, o ciclo implacável da natureza, a brevidade de nossos dias, a velocidade alucinante do tempo. Essas lições, dificilmente apreendidas, vieram-me naturalmente enquanto meditava ao apreciar as veredas que trilhava. Todos os que estão no outono de suas vidas alegrem pois a longevidade está em alta; ao sentirem os achaques da idade, no lugar de lamentarem-se, pensem qual seria a alternativa. Portanto, nada de pessimismo, mesmo com comentários negativos, sobre nossa passagem sobre a Terra, a maioria é focando o lado pessimista embora estamos numa guerra estúpida. Se lamentar não devemos, é bom tomar conhecimento do admirável comentário de Homero, poeta grego do IX século a.C autor da Ilíada e Odisséia. Vejam o que escreveu: “Curta é a vida humana. Quem é cruel e só pensa em barbaridades, todos os mortais o amaldiçoam em vida e, após a morte, todos se alegram. Mas o nome de quem vive sem mácula e só cuida de praticar ações irrepreensíveis é espalhado ao longe, entre os homens”.

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