Ivanira Bohn Prado, poetisa e professora das mais respeitadas, inspetora federal de Educaçãoquando cargo e função correspondiam ao título dado, por vezes, comentava estar certa de que só no correr final da vida seria possível colher resultado, se houvesse, de anos dedicados à sala de aula. Desentendia o silêncio que se interpunha entre alunos, professores e escola, a cada turma como se já se esquecessem daquele lugar, entre árvores, corredores e plantas, onde foram preparados para a vida.
Da minha experiência, esquecer como de meus últimos grandes mestres, mãos estendidas, no início da caminhada. Admiração e respeito, pouco para oferecer-lhes agora. Bendita a orientação que me obrigada a revelar a seu tempo a reverência necessária.
Ao entrarem para a sala de aula, púnhamo-nos em pé para recebê-los, Não era dever. Nem mesmo obrigação. Deferência. Cumprimento respeitoso. Não se tivessem perdido da Pedagogia Correta, não nos perderíamos deste e de outros tantos gestos imprescindíveis à Educação.
Não atribua ao tempo estas virtudes. Tampouco, não se emocione, agora, com lembranças nem comentários que suscietem uma revisão de vida.
Ivanira afirmava que o sucesso de suas alunas, dentre elas, Cybelle, uma de minhas irmãs, a primeira colocada, quem lhe dera grande parte do respeito que a cidade lhe devotava. Havia orgulho no palavreado iluminando seu olhar com lembranças, em especial quando entendia ter sido bom o reconhecimento de seus ex-alunos em homenagens e encontros.
Conto porque, Cybelle, minha irmã, poetisa como a mestra, pouco ou nada gosta de recordar o feito. Com catorze anos, a filha de meus pais, brilhante aluna, venceu, de alunos, muitos mais velhos que ela, certa Maratona Intelectual.Como as primeiras classificadas eram resultado do trabalho pedagógico desenvolvido pela mestra, Ivanira cresceu em prestígio e admiração.
Ao final de sua carreira, estivemos juntos ensinando na mesma escola. Tive a honra, Secretário de Cultura, de prefaciar um de seus livros, obra da melhor qualidade. Dividi, com ela, para alegria nossa, amizade com Maria Julieta Drummond de Andrade, filha única do poeta, a que partiu antes da hora quando “o verde renascia da face escura da vida”. Afinada pela lira de seu rapaz de oitenta anos, Maria Julieta encantava-me a mim e à Ivanira com sua delicada presença de cronista, de amiga, “em lições de beleza, de mansidão, de bondade”.
Nos bons tempos, quando “sabía voltar aos velhos tempos de mim, ela, em seu casaco marrom, chamava para conversas em torno de livros e poesia, ouvir música, tomar chá, insistindo em retomar, com brisa à disposição, a mão da alegria e sair para reviver o tido, o ido, o visto.
Ao criar o Casarão da Cultura e fazer dele ponto de encontro de Arte e Cultura, tanto fiz para que assim fosse. E pude ver eventos assim, por lá.
Antes mesmo que a bomba H explodisse num jardim qualquer, como ensina a canção, o que restou do excelente Conjunto Melo-Rítmico se reuniu ali, no histórico casarão, para ver e ouvir Ivanira fazendo das vozes das meninas, com seu bom gosto musical, a oportunidade de estar, primeiro, para depois, num bloco de alegria, juntar-se entre as árvores do jardim.Bye, bye, Cecy, nous allons!
Ivanira era, na verdade, o motivo da celebração. O Conjunto, belas vozes, harmonioso, inigualável em sua afinação, com Hermínia Maria, discreta, elegante, a seu lado, não a sua frente, regendo e ensinando, sem alarde.Difícil escrever sobre a maestrina, refinada, próxima, muito próxima de Maria Santíssima e do Deus Menino, de quem herdara sobrenome importante quando se entregou à vida religiosa: Hermínia Maria, a do Menino Jesus.
Pessoalmente, gosto de chamá-la assim. Seu nome,quase um poema. Hermínia Maria do Menino Jesus. Olhar e alma misturados na contemplação da música e da vida. Ver e ouvir, ver e sentir o belo que se esparge sobre os que Deus vestiu com aura. Lírio do campo. Se não um, como um deles. Serena contemplação da face de Deus estampada no movimento suave das mãos, gesto indicando o caminho para suas meninas cantoras permitirem entrelaçar-se às notas musicais de sua batuta e do piano de minha amada Maria Cristina.
Ivanira Bohn Prado e Hermínia Marialecionaram juntas quando a escola era, não só no nome, instituto, fonte de Educação e Cultura. Ivanira despediu-se há alguns anos. Ao final de sua vida, isolou-se numa casa de repouso onde, vez por outra, pude vê-la. Não mais as reuniões em sua casa, com bons vinhos, bom chá, boa comida e, principalmente, convívio de excelente companhia.
Na casa de repouso, revisitávamos nossas lembranças, repassávamos nosso francês acaboclado distante do vigor da juventude, erre menos gutural e mais amortecido pela caipirice e pela idade. A seu lado, ouvia de suas viagens. Contava-lhe das minhas. Ouvia pouco. Falava muito. Queria mesmo era voltar aos velhos tempos. Só mesmo a canção e o casaco faltavam. Mais que isso, falar de seus ex-alunos, das visitas feitas, das conversas e da incrível recompensa em poder desfrutar deste apreço quando tudo apontava para solidão e medo.
Toda vez que a conversa ia por estes caminhos, pensava comigo. Terei igual prazer. Em tempos de ressaca, o que me restará nas manhãs e nas tardes, quando tudo apontar para o acolhimento de Deus?
Semana próxima, lhes conto como tem sido no correr da vida. O que me têm feito meus ex-alunos quando, maduros, descobriram o que escola nenhuma parece ser capaz de mostrar.
“Um mundo de verdades./ O coração dos homens/ transparente./ Através dele a imagem/ de Deus.”
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