A arte de roubar

Por José Faganello |
| Tempo de leitura: 3 min

“Quem furta pouco é ladrão,/ Quem furta muito é barão,/ Quem mais furta é visconde/ Passa de barão a visconde./Furta Azevedo no Paço,/Targine rouba no erário./ E o povo aflito carrega/ Pesada cruz ao Calvário”. (Quadrinha publicada num Pasquim em 1819).
Lord Aston, eminente historiador inglês do século 19, conseguiu reconhecer, como poucos, os perigos do poder político.

Afirmou que os governantes colocam seus interesses acima de tudo para se manterem no posto. Mentem, difamam seus adversários, apropriam-se do patrimônio público e privado. Destroem pessoas e até ordenam massacres. Para ele o poder político é uma fonte de maldades (atualmente, eufemisticamente: “mal feitos”). Gregório de Matos, conhecido como “Boca do Inferno”, falando da Bahia colonial, onde a capital do Brasil era Salvador, deixou-nos estes versos ferinos mostrando que não havia a quem apelar: “E a justiça a resguarda? ... Bastarda./ É grátis distribuída? ... Vendida./ Que tem que a todos assusta?...Injusta”. Como se vê ainda hoje, a corrupção é inerente ao poder, a ponto do Lord Aston, citado acima, deixar-nos a inquestionável frase: “O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Por este motivo o governo republicano, mesmo com todas as falhas que costuma apresentar, é o melhor, até o momento. Ele dá a oportunidade de alternância no poder e o direito de todos participarem tanto como candidatos usar do direito da liberdade de expressão. O princípio democrático fundamental não está na alternância do poder, mas na soberania popular. O povo mantém os governantes se está satisfeito e troca se acha que falharam.

Com governantes populistas e dispondo de forte aparelhamento, fazem e desfazem, conseguindo manterem-se no poder até que um dia o povo acorde.
Imaginem como era nas monarquias. O padre Vieira escreveu um contundente texto: “A Arte de Furtar”. Nele afirma que este mundo é um covil de ladrões, se bem o considerarmos, não há nele coisa viva que não rapine: os animais, comendo-se uns aos outros, se sustentam; e se alguns há que não se mantenham de outros viventes, tomam seu pasto dos frutos alheios, que não cultivaram com que vem a ser uma pura ladroeira.
Assim se portam as criaturas irracionais e insensíveis e as racionais ainda pior que todas, porque lhes sobeja a malícia, que nas outras falta, e como ela trata cada qual de se acrescentar a si. E como o homem de si nada tem próprio, claro está que, se os acrescenta, muitos hão de ser alheios.
Prossegue dizendo que se os ladrões não tiverem a arte de roubar, terão mais perdas do que ganhos. E quando ele os vê continuarem ilesos, não pode deixar de atribuir à destreza de sua arte. Completa, a arte de furtar é ciência verdadeira.
Lendo os noticiários sobre os bilionários desvios, peguei em minha biblioteca o texto de Vieira, que há muitos anos não relia. Coloquei muito pouco, pois o espaço é racionado, mas, como eu, há muitos que querem entender como chegamos a tal ponto de rapina do erário, em nosso Brasil
Não consigo entender como há doze anos os desvios bilionários ficaram invisíveis, sem que nenhum daqueles que são obrigados, pelos cargos que ocupam, de zelar pelo patrimônio da Nação, percebesse. Se tivessem lido Guimarães Rosa, poderiam dizer como ele: “Eu quase que não sei, mas desconfio de muita coisa”.
Parece piada, a descoberta ter sido feita por uma operação de nome “Lava a Jato”, ou seja, superficial, só por fora, conseguido os corruptos agora sendo perdoados e os acusadores sendo acusados.

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