“Sempre me pareceu uma pessoa distante, autoritária. Via-o com muitas reservas e fico, agora, admirado com palavra sua sobre o professor, ouvida há pouco em rádio, exaltando qualidades que desconhecia, Não deveria ter formado juízo de valor. Quando o procurei por conta de filhos, foi, comigo, intransigente. Agora, ao falar de sua experiência como aluno, da experiência de sua irmã, nos anos 60, fiquei de tal forma impressionado que, como você, me obrigo a revisar julgamento indevido.”
Gunar Koelle, diretor do Colégio que carrega há mais de cento e trinta anos seu nome de família, com fama e prestígio incontestáveis. Sobre ele, escrevo. Autorizado por interlocutor que me chamou ao telefone tão logo terminei, na semana passada, meu elogio fúnebre ao professor, na Rádio Jovem Pan, em Rio Claro, inicio este texto publicado aqui e em alguns outros jornais de diferentes cidades, onde seu suspiro final deixou eco de respeito, despedida e tristeza. Tomara alcance, sem nenhuma pretensão pessoal, o Brasil todo, para que seus ex-alunos saibam da despedida do ilustre professor. No Brasil todo? perguntarão alguns. Quiçá no mundo! O Koelle teve, em suas salas, em tempos de internato, jovens de diferentes partes do país e do mundo, tão afamada, a Escola.
Iara Sílvia, minha irmã, no secundário, revelava obediência às exigências da escola sabendo responder a estas expectativas com excelência indiscutível. Estudiosa, teve, entre os colegas, acolhimento tal que deixa para este tempo os melhores elogios que possa ter, tanto como instituição escolar como ambiente social entre estudantes da mesma idade. Convívio rico com seus colegas, tanto da cidade quanto do internato, semeou entre nós um sentimento de gratidão que se esparramava de meus pais a cada um de seus irmãos. Estes sentimentos brilham no olhar de todos se ilumina a alma de um. Em casa, por ele, passamos a devotar aos Koelle, reconhecimento ímpar. Esta história notável já foi contada e não cabe repetir agora. Isso tudo só pude entender anos mais tarde.
Formado, ao envolver-me com Educação, interessei-me ainda mais em procurar saber como criar ambiente estável no meio escolar. Bom investigar tudo isso a partir de suas próprias experiências pessoais, sobretudo num país como o nosso em que há, entre profissionais em suas diferentes áreas, despreparo significativo.
Acreditar no exercício da palavra. Dar espaço para que os alunos encontrem estratégias que permitam atender as exigências de um mundo em constante desenvolvimento. Abrir discussão à prática democrática que isso representa. Conhecer a história do aluno, a que antecede sua vida escolar, estimular seu raciocínio e sua clareza de pensamento dando-lhe voz e vez, mesmo quando contraria princípios pedagógicos adotados. Quantas vezes foram estes os assuntos de conversas nossas. Acompanhava meu trabalho, revelava admiração por isso e me dizia entender com admiração o fato de ter sido condecorado pela minha atuação como educador e agente de difusão cultural.
Na sua aparente austeridade, era um educador moderno, voltado inclusive para a revolução tecnológica por que passamos. Para ele, as correntes de pensamento não se excluíam. Num momento como o atual, compreender métodos e teorias educacionais permite assimilar heranças deixadas por modelos anteriores que bem analisam a disciplina e o conhecimento a ser transmitido pela escola.
Pensar Educação de forma nova causa estranheza num país em que falta leitura. O modelo imposto por cursinhos nos anos da ditadura, a decoreba insistente cobrada por vestibulares, o resultado econômico imediato que esta prática representa para as instituições exigem atenção constante e manter a liderança, não só pela tradição, mas pela qualidade do trabalho educacional, prova o quanto sabia cuidar de sua Escola. Isto, me dizia, exigia dar, cada vez mais, aos alunos, autonomia, liberdade de ação e de pensamento. Mesmo que perdurem preocupações com exames seletivos para ingresso em universidades, o correto exercício de ensino em benefício da aprendizagem deve preparar o estudante para pensar, agir, exercer com coragem e segurança, a prática da democracia entre iguais.
Tinha esta visão. Trabalhava em seu colégio observando o antes e o depois, passado e futuro, provocando, com suave naturalidade, necessária mudança. Difícil, disse-me certa vez, é criar novos espaços de conhecimento. Refletia sobre estas mudanças, sem desrespeitar modelos educativos que porventura tivessem deixado marcas a serem observadas no processo de transformação.
Sua inesperada despedida tocou-me profundamente. Na distância, mas pelo afeto que tenho pelos seus, vislumbro, apesar da tristeza, a preparação dada a seus quatro filhos, agora, à frente do Colégio. Herança bendita. Larissa, Teodoro, João Alfredo e Maria Beatriz sabem, por si mesmos, ocupar o que lhes é de direito. Com sua mãe, honram o nome que lhes pertence e é, também, da escola, iniciando novo capítulo da história extraordinária, com igual grandeza.
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