No desenho de agora parece faltar a manjedoura e o menino. Por onde anda sua Mãe, a que chamamos “Santíssima e Cheia daGraça” de Deus? E José, o Justo? Os Magos podem até não estar, mas a estrela, imagine, a estrela, a que guiou magos e deveria guiar-nos a todos até o fim dos tempos por onde tem brilhado se fugiu da consciência dos homens?
A forma como me foi apresentado o Natal na infância distante, naquela casa da zona rural onde vivíamos, rodeada de árvores, de flores à frente, de verduras, de frutas, a mim me pareceu sempre muito mais verdadeiro. Não fosse o menino e sua família sagrada presos à minha consciência e para sempre em meu coração, que expectativa teriam meus dias para os sóis de dezembro?
Ou tudo estaria errado como me fizeram saber inicialmente? Naqueles anos, novembro chegando, as parreiras de meu pai, uvas rosadas e verdes, frutos começando a madurar,safra sempre boa indicavam festa próxima. A partir da poda, a dedicação de meu pai era total. Não lhes faltava nada. Saciava-lhes a sede com cuidado devido. Adubo, conversa, até mesmo conversa, para que soubessem dividir entre nós e os pássaros, os frutos que surgiam, tão logo madurassem.
Com minha mãe, o fazer era outro. Doces, distintos dos de agora: em caldas com frutas da época, colhidas no pé: pera, figo, goiaba e laranja da terra, a que chamávamos e muitos ainda chamam laranja-cavalo, para doce e especiarias para dar-lhes gosto e prazer. Enfim, Natal. Com isso, a gurizada se preparava para a noite de luz que o Natal representava.
Na escuridão daquelas noites quentes, céu coalhado de estrelas como jamais vi outra vez, imaginava tanta coisa que me atropelo se desejo contar. Novembro, naqueles longes, não passava. Diferente de hoje que, num piscar de olhos, termina, roubando o encantamento da noite santa muvuca danada nas ruas da cidade e miséria sem limites.
Um mês antes da chegada do menino, as canções natalinas garantiam que havia igualdade entre todos. O bom Noel “não se esquece de ninguém/ seja rico ou seja pobre/ o velhinho sempre vem”. Acreditava nisso. Só havia um certo pesar no no dia seguinte quando uma e outra criança aparecia e, olhar desentendido, amargado, olhava comprido no presente do outro como se perguntasse pelo seu. O tal velhinho desconheceria o endereço?
O entendimento disto, destes pecados capitais cometidos pelas diferenças de classe só puderam evidenciar-se com a maturidade. Meus pais comentavam com certo cuidado estas falhas do Velho e, de certa forma, sugeriam que a data não era para presentes. Ao Menino, pobre, distante do luxo e da riqueza, importava seu papel no mundo.
Dizia-lhes que, mês antes, meu pai, em casa, com pinheiro novinho,acendia o signo da esperança. No lugarejo onde vivíamos, a árvore dava o tom e o presépio, o caminho, a verdade, a vida. Dia mais, minha mãe com suas crianças começava a arrumação. Não havia tantos adornos como agora, mas era uma formosura na sua simplicidade. Do alto, minha mãe ia semeando chumaços de algodão aqui e lá pelos galhos. Por quê? Natal, meus filhos, respondia. Neve. Era cedo demais para entender.
A nós, nos restava encher-nos da alegria que aquilo representava. A arrumação da árvore, o ajuntamento dos anjos, os pastores, os animais formando cenário para o nascimento do Menino. Sua Mãe, São José, os Magos e a Estrela. Por último, a manjedoura. Não lhes disse. A manjedoura, onde repousaria a criança que salvaria o mundo. A criança? Sim, a criança, diferente das demais, porque era Deus, capaz de estrepolias tais, só entendidas por sua condição divina.
Se não me entende, perdoa-me. Era assim o menino da minha aldeia, que se escondia em minha casa, e assim é, até hoje. Como o de Alberto Caeiro, humano e menino. Não era desobediente, mas seguia seu curso desde a meninice por ordem do Espírito Santo e dava, com isso, preocupações seguidas a seus pais, como todo menino com excesso de talento e dons.
Veja bem quanto aprendíamos nesta arrumação do pinheiro. Cada adorno, uma história. Alimentava-nos a fé com inteligência, clareza de espírito, trazendo para junto de nós o Deus que faltava. Era preciso preparar-lhe o acolhimento e amá-lo como a todas as crianças como Ele. Não era um Menino qualquer. Fora anunciado por anjos ao coração de sua Mãe. A primeira diferença. As demais, vieram depois, visíveis por quem andava por perto do já não tão menino, mas cumpridor fiel das ordens de Deus na construção da Palavra.
Por issogosto da organização do presépio. Olhando a cena, todo ano igual, repasso a história que nos trouxe o Menino. Quantos se lembrarão que cresceu e, crescido, revolucionou a história, e tão rapidamente, sem dar tempo, àqueles, de aprender, e aos pósteros a que aprendêssemos tudo. Ao menos, houvesse alguma possibilidade de recuperar a infância, com Ele, para reavivar a esperança. Não se iludam com o velho que aqui vai.
“Eu quero meus brinquedos novamente!/ Sou um pobre menino… Acreditai!/ Que envelheceu um dia, de repente.”
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