Posso garantir que tenho procurado por um facho de esperança. Difícil. Encanta-me, na geração que vem chegando, sua disponibilidade para as mudanças tecnológicas, seu vivaz interesse em descobrir segredos de linguagem distantes de mim e de tantos que, na minha idade ou em busca dela, conheceram, como eu, outros instrumentos para estar no mundo.
Vibro quando alguém, muito mais jovem, acaba por orientar-me em aventuras tais desvendando o que, minutos atrás, fora mistério. Diante de múltiplas possibilidades vou, pouco a pouco, na rapidez do jovem instrutor, desfazendo os enigmas que até então me afligiam e, ao sentir o prazer da luz, o orgulho pessoal me permite entender que já esteja definitivamente apto a entregar-me de vez às experiências digitais.
Ledo engano.
Abro parênteses. Em plena contemporaneidade, discutindo assunto que atrai sobremaneira a atenção do mundo, uso, para configurar um sentimento meu, expressão renascentista. Ledo engano. Por quê? Porque desvendadas algumas chaves desta linguagem enigmática, surgem outras tantas ainda maiores que as anteriores e tudo fica novamente complicado. Alto conhecedor me explica que ninguém, absolutamente ninguém, domina por completo.
A história do processamento, todos sabemos, não começou ontem nem hoje. Vem de tempos remotos. A pintura rupestre revela uma troca de ideias entre os homens das cavernas, mas demonstravam sentimentos e preocupações cotidianas. Na Mesopotâmia, com a invenção da escrita, tem início o processo da informação que incluía não apenas escrever, mas armazenar, combinar e transmitir. Com a imprensa fica o registro primoroso da cessão do espaço da oralidade secundária para a objetividade da palavra escrita. A partir daí a evolução passa a correr solta com as transmissões de voz, de imagens, de dados. É quando entra em cena o computador, o condutor mestre para o avanço da informação, capaz de armazenar, classificar, comparar, combinar, compartilhar dados com eficiência e velocidade.
Por conta de quem, abancado, digita, lê, relê, observa, fica a sombra dos sentimentos, da emoção da hora, do espanto por tudo o que consegue a partir de suas ideias. Junta-se aí uma gama de estudos interdisciplinares: Psicologia, Linguística, Ciência da Computação, Ciências do Cérebro e Filosofia, entre outras.
E encontro – terei mesmo encontrado – a razão que me chamou a escrever sobre tudo o que te fiz, leitor amigo, ler antes de chegar aqui. Não me suponha senil. Já andaram dizendo, estes jovens de hoje separados de emoções e sentimentos, que ando velho e velho é bastante para a morte, nada mais.
Eu que ainda sonho com novo amanhã depois de ouvir esta asneira, grosseria destas, que na minha juventude se corrigiria com severidade, pude entender que posso e devo seguir assim, como ensinou FP/Álvaro de Campos, pensando no amanhã, no depois de amanhã e em cada amanhã, no outro e no outro, numa persistência infinita. Não tenho porque supor o instante do descanso se não há cansaço que me impeça de reconhecer, na tecnologia, a possibilidade do sonho e com quantos desejos posso alimentar a esperança.
O informativo me faz observar a imagem que me mostra sem interromper estes pensamentos todos. Traz-me a notícia que espero e me encho de entusiasmo e alegria. Provo, inclusive, que bastaandar com fé. A fé não costuma falhar. Se, na semana passada, escrevi sobre dona Fernanda e sua ascensão à Academia Brasileira de Letras, aqui, repito a dose em honra de Gilberto Gil. Tive fé que assim seria.
Claro está que os tempos modernos abrem-se também para isso: abrigar uma atriz e um compositor, notáveis ambos, numa Casa de letrados. O que vale é que todos nos alimentamos de livros. Foram eles que nos abriram melhores caminhos. Graças a eles, já na infância, era possível lidar com sensações. E o que é a vida sem sentir?
Se volto aos avanços na área da informação, na transformação virtual do universo, desejaria encontrar, no resultado final, ser humano mais atuante, mais íntegro, envolvido com seu meio, acalorado como os livros não frio como máquina.
Assim fosse, ao traçar caminhos novos para as diversas áreas do conhecimento, criaria dispositivos tais que simulassem a capacidade do homem no uso do raciocínio e da percepção, tomando decisões e solucionando problemas, sem fugir da emoção.
Não nego todas as melhorias advindas de pesquisas notáveis. Menos ainda o quanto, a geração “y” e “z” sobretudo nasce parecendo ter aptidão necessária para o entendimento de tudo isso.
Quando menino – me lembro – se me distraía, ouvia sempre um adulto dizendo que vivia nas nuvens. Hoje, os pequenos falam em nuvens para abrigar, hospedar, coletar dados de informação importantíssimos que neste mundo virtual não se perdem jamais. Quando o entardecer traça margens soltando nuvens pelo espaço parecem não sentir seu trabalho. Que pena!
Na minha juventude viver nas nuvens era motivo de inspiração simbolista, objeto de sensações diversas, espelhando sentimentos de tristeza e dor, de alegria e esperança. Olhar o céu e ver. Ver e sentir. Sentir e acreditar em “vozes veladas, veludosas vozes, volúpias dos violões, vozes veladas”. Para a geração atual,as nuvens têm, agora, outro trabalho. Lá estão segredos digitais inimagináveis. Seguem trabalhando acima das cidades, mas ocupadíssimas armazenando dados. Sem romantismo nenhum e nenhum sonho.
Resta a fé.Então, andar com fé, que a fé não costuma falhar. Mesmo a quem não tem fé, a fé costuma acompanhar, pelo sim, pelo não. Foi o que me ensinou o novo imortal.
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