Não estarei aí, Dona Fernanda, para assistir à sua posse como tantas vezes estive. Quantas pude, nos espetáculos em cartaz, no Rio de Janeiro, assistir a espetáculos que sempre me surpreendiam pela genialidade de sua atuação. Lágrimas Amargas de Petra Von Kant, por exemplo, a que pude ver mais de uma vez, tenho comigo como das mais excepcionais atuações suas. Dona Doida, igualmente.
Agora, novo momento da sagração. Dona Fernanda, será mesmo verdade que a senhora anda próxima de cumprir século de vida? Não creio. Há muito por fazer e ainda mais se espera da senhora. O Brasil reverencia seu nome e louva a Academia por sua escolha na expectativa de que este acontecimento estique ainda mais esta vida porque em cada gesto seu é possível aprender a ser como ensinou seus filhos. A Casa de Machado de Assis, ao dar-lhe posse, perguntará: o que mudou? fazendo lembrar verso do bruxo do Cosme Velho. Nada mudou. Tendo a senhora como Luz bendita, quem enxerga, vê, e quem pensa, aplaude.
Os brasileiros, de certa forma, já lhe deram todas as respostas possíveis, nos louvores que se multiplicam e na alegria por sabê-laimortal, pelo talento, pela genialidade, por seu modo discreto e humilde de ser, por seus textos escritos e pela recitação impecável de outros tantos, sejam de quem for, todos ditos com perfeição e acabamento tal que se transformam tanto, parecendo também seus.
O Presidente da Academia, pela instituição, disse:“Fernanda Montenegro enriquece os laços profundos da Academia com as artes cênicas por ser um dos grandes ícones da cultura brasileira. Intelectual engajada e sensível leitora do real” chega à instituição num momento em que o Brasil, por erros seguidos na condução da cultura, titubeia e enfraquece.
Seu engajamento político, sua atuação firme, mas serena, sua preocupação com o áspero tratamento que vem sendo dado ao Brasil facilmente percebido por brasileiros de bem, sua presença elegante trará novo alento e muita esperança a todos, em especial àqueles que buscam renovar tudo isso num voto consciente e responsável. É a sua luz. “A luz da integridade em meio ao obscurantismo dos adoradores de fuzis.”
Leitora do real, Dona Fernanda,em entrevista coletiva, ao ser questionada, falou vir de um tempo em que “a política era viva, direta, carnificada. Agora há meios misteriosos de manipulação. Graças a Deus ainda se tem a possibilidade do posicionamento público. Precisamos só ver como isso se reflete no voto”.
Não revelou em quem votaria. Também não recusou resposta. “Espero por um jovem candidato sem as heranças negativas que nos trouxeram para este sufoco. O grande ganho político que poderíamos ter no Brasil, seria o fim da reeleição”.
Sábia. Sei bem, em cada posicionamento seu, quanto sua consciência lateja em favor do seu povo. Jamais se esquece de sentir a nação com seu olhar aguçado de mulher culta, profissional consciente, atriz extraordinária, demonstrando, numa linguagem clara, sua privilegiada inteligência.
Não bastasse, jamais houve, na Casa de Machado de Assis, figura mais conhecida dos brasileiros que Fernanda Montenegro. Não há um só brasileiro que não saiba quem é e onde encontrar-se com dona Fernanda, na televisão, no teatro ou no cinema, tida como uma das brasileiras mais influentes do país.
“Quem vive no Rio e frequenta teatro sabe que encontrar-se com ela é mesmo uma questão de tempo. Reverenciada por sua trajetória e importância, Fernanda Montenegro é uma expectadora constante e cobiçada pelos colegas sedentos por seus comentários. Após ver o monólogo Sísifo estrelado por Gregório Duvivier, discursou emocionada: ‘Tem algo mais vivo do que o teatro? Em cada catacumba, a nossa arte, a nossa inteligência resiste’.”
Aprender com ela, observar sua fala e, com isso, dar novaluzà alma do Brasil, iluminando este pais que, em um ano,há de mudar sua sorte e salvar-se de todo o malfeito dos últimos tempos.
“Eu me inscrevi e me ausentei. Não dei entrevista, não cavouquei espaço nem temperei uma chegada. Isto não me compete. Me propus e saí de cena. Como atriz, meu papel é me preparar. Só se entra em cena quando chega a hora”. Grande lição. Bom seria que os futuros candidatos tivessem uma pitada deste bom senso. Cada qual, em silêncio e em segredo, votaria em quem desejasse a partir de projetos corretos. É preciso ter, dela, a lucidez e o caráter, nome e dignidade.
A vida de dona Fernanda vai sendo escrita de acordo ao que vai sendo vivida, com honra e irrepreensibilidade. Sabe-se se lá o que são mais de setenta anos de carreira sem qualquer possibilidade de parar,com igual nobreza. Não quero que pare. Abrande o ritmo! Reconheço que possa cansar-se. Por favor, não pare. Preciso, mesmo trôpego como seu pai Vitorino, sem ter inventado um trejeito para caminhar que tenha a graça de Chaplin, ver muito e muito dona Fernanda nos palcos e na vida. Eu e alguns milhões de brasileiros.
Repito sua filha. "Que o Brasil, tão trágico, bruto e desesperado entenda, com gente como Fernanda, o quanto a arte e a criação podem fomentar amor, progresso e civilização. Evoé!”
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