Democracia é o governo do povo. É o sistema político em que o povo escolhe seus representantes por meio do voto em eleições periódicas.
Para resguardar a vontade soberana do povo, os sistemas democráticos assentam-se sobre a primazia da liberdade de expressão de parlamentares eleitos. A Constituição Federal brasileira, em seu art. 53, caput, assegura que “deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Em linhas gerais, a inviolabilidade é garantida para que os eleitos possam bem representar as opiniões e pontos de vista dos eleitores que lhes confiaram os votos. A inviolabilidade significa que opiniões e palavras que poderiam caracterizar comportamento delituoso quando ditas por qualquer pessoa, assim não se configurarão quando pronunciadas por parlamentar democraticamente eleito.
Da mesma forma, as hipóteses de cassação de mandato eletivo são restritas, para resguardar a vontade popular. A mais conhecida é a quebra do decoro parlamentar, quando o eleito é julgado por seus próprios pares, ou seja, por outros representantes eleitos, em processo de votação na Câmara ou Assembleia pertinente. Outra hipótese é por infrações graves ao Código Eleitoral, quando, por exemplo, a votação tenha sido viciada por falsidade, fraude ou coação.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acaba de cassar o deputado estadual Delegado Francischini (PSL), eleito com quase 428 mil votos no estado do Paraná. Consigno que não conheço em detalhe suas propostas ou trabalho enquanto parlamentar, não cabendo aqui qualquer apreciação sobre esse mérito.
A decisão proferida pelo TSE chama a atenção por não ter qualquer precedente. A maioria dos juízes (entre eles, os Ministros Edson Fachin, Luis Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, membros também do Supremo Tribunal Federal) decidiu que Francischini, na época deputado federal, cometeu abuso de poder político por autoridade, com uso indevido de redes sociais. Para chegar a essa conclusão, os juízes consideraram que o então deputado promoveu agressões infundadas contra a democracia em live nas redes sociais às 16:38, ou seja, 22 minutos antes do término da votação.
Ocorre que, como ressaltou o Ministro Carlos Horbach, autor do voto divergente, a live só teria influência sobre eleitores que ainda não tivessem votado às 16:38, não tendo nenhuma capacidade de abalar a normalidade e legitimidade das eleições. O paranaense, que foi o mais votado de todo o pleito para deputado estadual, teve 427.749 votos. A live teve alcance de 70 mil pessoas, número absolutamente insuficiente para colocar em cheque a votação. O segundo colocado teve 147.565 votos. Matematicamente, vê-se que é impossível que a live, que alcançou só 70 mil, alterasse o resultado de liderança absoluta de Franceschini, especialmente quando a maioria dos participantes provavelmente já tinha votado devido ao avançado da hora.
Ficou consignado nos discursos dos Ministros que a motivação para a sanção máxima de cassação de mandato, completamente desproporcional à suposta infração praticada, seria o fato de Francischini ter acusado a existência de fraude nas urnas, “fake news”, na visão dos Ministros, que deve ser coibida. Apenas como medida de comparação jurídica, deve-se lembrar que nenhum dos deputados e senadores que acusaram fraudes nas eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos tiveram os seus mandatos eleitorais cassados ou ameaçados por juízes americanos.
Ora, nossa Constituição Federal prevê imunidade parlamentar, do mesmo modo que gozam da liberdade de expressão os deputados e senadores americanos. A decisão judicial desfigura a Constituição nacional, despreza o desejo de 427.749 eleitores e o mandato do mais votado deputado estadual do Paraná. Além disso, abre precedente perigoso contra a vontade popular. Espera-se que seja revertida pelo STF, pois trata-se de aberração jurídica sem precedentes na história democrática do país.
LEIA MAIS