Toda uma tarde invocando o espírito rebelde de Oswald de Andrade e nada! Por onde anda, solto no espaço, o poeta rebelde de 22, incapaz de atender a um só pedido? Ou virá, macunaímico, quando quiser, fazendo prevalecer seu jeito intempestivo de ser? Trocar ao menos algumas ideias não para deixar, na semana que entra, mudança para ficar na história, como a da Arte Moderna, mas para injetar entre nacionalistas, um sentimento crítico de brasilidade capaz de lançar o país a experiências democráticas modernas.
Oswald era um destes poetas modernistas que se possível fosse, bem gostaria estivesse vivo ainda hoje, questionando, bisbilhotando, cutucando uns e outros. Econômico em seus poemas, breve no texto, aguçava a inteligência do leitor, incomodando, ensinando. Obrigando a que fizesse uso da razão.
No cenário desenhado nos últimos tempos, em que todos somos obrigados a encenar, ando por demais incomodado com o que vejo. Entendo – ou estarei errado – que esta angústia, esta tristeza minha, me vem da inércia de ver destruírem tudo o que permitiria avançar, tendo como pilar, Educação e Cultura.
Estes pilares de que falo seriam o único meio para evitar submissão, crenças desvalidas, pondo a grande maioria do povo brasileiro numa condição miserável e desventurada. E quem não se sente assim, vive o vexame de ver exibir-se pelo mundo todo o dedo maldito do palavrão inaudito, apresentado em gesto obsceno.
Com as reflexões a que me obrigo, eu que também vivi tempos difíceis, volto a crer que voltamos a eles, numa regressão injustificável. Outra vez, “é preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte. Tudo é perigoso”. E o que é pior: tudo é divino e maravilhoso. Atenção!
Neste tempo em que ando revisitando memórias, convido-me a entender o porquê, no período em que perambulei pelo colégio, achava estar sempre na contramão de tudo. Não por errar: o contrário disso.Já me torturava sentir que deveria pensar como o burguês-níquel, o burguês-burguês, o indigesto feijão com toucinho dono das tradições.Tive a sorte de nascer em casa onde era permitido pensar, questionar, descobrir. Era sobretudo possível ler e, da leitura, fazê-la responsável por descobertas.
Para mim, se algo marcou profundamente meus anos de ginásio, foi a transformação de dois professores obrigados a mudar do dia para a noite seu comportamento pedagógico. Já não respondiam mais ao que se perguntava nem explicavam como antes o que era encantador conhecer.
Professor por vocação, quanto sofri também nos primeiros anos de magistério quando, por razões econômicas, optei pelas grandes escolas particulares da capital que, diferentemente dos colégios oficiais, valorizavam ao extremo as ciências exatas em detrimento das humanas, direcionando alunos a exames de vestibular feitos sob modelo bancário, como ensina Paulo Freire em sua Pedagogia.
Citar o nome de quem, aqui reverencio pelo seu centenário de nascimento, por sentir-me honrado em ser brasileiro como ele, espero, não provoque indagações desnecessárias nestes tempos supostamente democráticos. Recém-formado na universidade, já conhecia Paulo Freire, de conversas em casa. Sabia, embora exilado pela ditadura, do sucesso que fazia em distintos países do exterior, porque lia jornais, revistas de informação, livros, inclusive os dele, revelando a pedagogia do oprimido. Conhecia seu trabalho de alfabetizador, dando a jovens e adultos a visão libertária que só mesmo a Educação pode oferecer.
Pedagogo internacionalmente reconhecido esperançava ver agentes da educação formal provocarem na divisão de conhecimentos, um ato libertador onde seria possível indagar, abrir espaço para outras leituras de mundo e rebater a ordem ideológica, política e econômica vigente. Taxado de comunista no golpe militar, preso e exilado, levou para outros povos o conceito de uma educação transformadora, problematizadora e humanista.
Como transformar o mundo se não se tem dele clara compreensão? Que noção tem, hoje, o homem brasileiro, da realidade que o cerca? A escola, em pleno século XXI, prossegue oferecendo uma educação tradicional, traçada por sociedade opressora e discriminatória, que trata seus alunos como recipientes vazios, devorando conteúdos programáticos pré-definidos.O poder quer que assim seja. É a forma de fazer do mito, verdade.
Ao assistir à CPI da pandemia que tenta desfazer emaranhado criado por grupo de autoridades, formadas pelo mal traçado caminho da Educação brasileira em anos,repenso História Pátria de Oswald de Andrade em seu Primeiro Caderno de Poesias e nele observo que a mesma barquinha carregada de aventureiros continua navegando com igual objetivo e iguais destinos.
Oswald e Paulo Freire acreditavam no homem sujeito de sua própria história, fomentando, de modo democrático, transformações sociais capazes de dar-lhe autonomia e bem-estar, numa sociedade, senão de iguais,de justiça, de respeito e de liberdade.
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