A falta que nos fazes, dom Paulo!

Por David Chagas | 20/09/2021 | Tempo de leitura: 4 min

Dom Paulo Evaristo, se não ler, não importa, outros lerão por ti. Tu, ao deixar tua casa limpa, tua mesa posta, cada coisa em seu devido lugar, sabias do meu respeito, do quanto te aplaudi e quanto te seguiria aplaudindo por sentir tua presença em tudo que é direito, verdade e justiça, como pedias, como pregavas.
Se trocares, na Paz de Deus, algum dedo de prosa com dra. Zilda, refirme igual bem-querer por ela que, por certo, continua preocupada com o desamparo de milhões de crianças nossas, desnutridas, famintas e completamente abandonadas. Propale, caríssimo Pastor, junto aos anjos de Deus, a fim de iluminarem os que da Luz necessitam, em especial aqueles, cujo trabalho pode mudar a vida de quantos!
Te conto, dom Paulo, que minha intenção, na manhã de teus cem anos, era deixar uma vela acesa aos pés de Nossa Senhora, recitar uma oração em honra de teu Espírito e escrever para celebrar tua paz certo estou de que Deus é contigo.
No instante mesmo em que pensei nisso, trouxeram-me as redes sociais notícia de que, em Limeira, Sua Eminência, o bispo, inaugurava nova cúria diocesana. Tratei de vê-la. Um luxo!Obra monumental para tempos de pandemia e aflição apocalíptica.
Cutucou-me a memória, dom Paulo,teu gesto de coragem ao vender o Palácio Episcopal em que vivias, na companhia dos bispos auxiliares, para estender as mãos e ampliar tua missão junto à periferia de São Paulo e aos moradores do campo que prosseguem à espera de olhar reformador de governante brasileiro devoto de Francisco de Assis e Irmã Dulce dos Pobres ou leitor de Manuel Bandeira ao afirmar: Todos são filhos de Deus!
Sei bem que o bispo limeirense e seus seguidores, lendo meu texto, terão claro entendimento de minhas intenções. Sigo, com rigor, seu lema episcopal: “a verdade vos libertará” mesmo que me pergunte, em silêncio, se conhecerá, de fato, a verdade do Evangelho quando Cristo, preocupado com os pobres, pede que olhemos vivamente para eles e por eles.
Deves estar a par, bem sei da verdade que vivemos em opção à que liberta, tu que, ao longo da vida, seguiste pari passu o Evangelho de Jesus Cristo. Pena se tenha antecipado – e não cabe aqui discutir desígnios de que não entendo – e não tenha feito par com nosso Papa atual, sobretudo ao afirmar que “os pobres têm muito a nos ensinar. Além de participar do sentido da fé, em suas próprias dores conhecem e reconhecem o Cristo sofredor. É necessário que todos nos deixemos evangelizar por eles. A nova evangelização é um convite a reconhecer a força salvífica de suas vidas”.
Bom ter em Francisco, o semeador. Bom contar com o padre Júlio Lancelotti, pelas ruas de São Paulo, atendendo, um a um, seus moradores, senão por ele, famintos e esquecidos. Hora de ouvir, também, o pastor Henrique Vieira e sua palavra medida, justa, certa, espargindo a verdade que liberta e o bem que anima. Impressiona-me ver como sabem agir sob a Luz, por onde andam, e a forma serena como atravessam dificuldades que se lhes apresentam.
Não sei bem se o leitor que me acompanha e tem lido as memórias que me afloram no ocaso em que vivo, entende porque saio do tema, agora. Acontecimento maior ditou-me ao espírito a razão deste texto. A festa de teus anos, Paulo Evaristo Arns! Tu que foste amigo de Francisco, o Papa, de Sobel, o rabino, Wright, o pastor Evangélico, e dos pobres da periferia, sobretudo.
Permaneces, dom Paulo! Aí estás para os que, como tu, mantêm acesa a Luz do cristianismo e procuram seguir com acerto e verdade a doutrina de Jesus Cristo. Não me incluo entre teus amigos, apesar das conversas e das cartas, uma delas, em resposta a meus bons votos por teu aniversário. Bem gostaria de arrolar-me neste pertencimento de amor fraternal, mas o leitor poderia entender um desejo incontido em apresentar pessoas ilustres que tive a sorte de conhecer e, dentre elas, outras, com quem pude conviver na fraterna amizade estabelecida, como a nossa, por exemplo.
Quando pude conhecer-te deixava a universidade, para só estar nela, no campus da Cidade Universitária, uma vez por semana em busca de estudos mais avançados. Já lecionava em São Paulo ao ser chamado a participar de programas na Televisão Cultura. Ao longe, pude conhecer Vladimir Herzog, jornalista por quem tinha enorme apreço e especial admiração. Morto, de forma vil, não supunha sofrer tanto quanto sofri. Por motivos diversos: os filhos pequenos, a dor da esposa, a difícil compreensão em imaginar matarem-se uns aos outros por terem diferente visão de mundo. Pensar assim talvez fosse resultado talvez da minha ingênua formação interiorana.
Professor, à época, no recém-criado Colégio Objetivo, por onde circulavam jovens oriundos das mais diversas famílias, algumas, economicamente poderosas, outras notáveis pela sua coragem, pelo seu posicionamento político e pelo efetivo interesse em livrar o Brasil de momento tão obscuro, responsável pela gradativa perda de consciência política e social, sonhava ver meus alunos com consciência crítica, contrários à submissão imposta.
Obriguei-me, em favor deles, a visitar teu escritório e seguir a palavra de Cristo, pela tua voz, sem ignorar, jamais, os tantos pregadores, independente da denominação da religião que seguiam.

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