Rótulos

Por José Faganello | 19/08/2021 | Tempo de leitura: 3 min

“O pensamento só começa com a dúvida”. (Roger Martin du Gard)

Há muitos vocábulos que a maioria desconhece. Essa maioria só tende a crescer, pois a leitura está sendo banida do dia a dia da juventude. Ela, quando lê, lê torpedo ou trechos cifrados dos bate-papos no computador. Os puristas ficam com brotoejas quando se deparam com eles. Os “reformadores” abanam furiosamente a bandeira, onde se lê: “A língua (não usam idioma) é viva, ela “evolui”, não adianta tentar apor-lhe amarras”. Qualquer usuário de torpedos no celular ou de sessões de bate-papo na internet, acredito, conhece o significado de rótulo. Segundo o Larousse é um vocábulo que provém do latim: rótulus, e significa peça, geralmente de papel, com inscrição ou letreiro que serve para informar sobre o objeto em que é afixada; dístico, etiqueta. Decoração simples ou múltipla colada sobre as garrafas que visa a identificar o produto e enaltecer seus predicados. Figuradamente, qualificação simplista.

Essa qualificação simplista transformou-se em significado principal em não poucos termos e, muitas vezes de conotação completamente diferente ou indecifrável.

Rótulos destacados no setor político são: esquerda e direita. Terminologia esta surgida como evocação do posicionamento do parlamento francês, durante a Revolução Francesa. A direita passou a significar a doutrina daqueles que defendem reformar para preservar. Tentar reformular radicalmente a sociedade seria, para eles, uma atitude perigosa, pois levaria ao caos e à guerra. A esquerda, por sua vez, simboliza os “idealistas”, defensores de mudanças radicais, doa a quem doer. Os regimes que se propuseram a implantar reformas na marra, como o nazismo, fascismo e comunismo, foram rotulados, respectivamente: o último de esquerda defensor do proletariado, os dois primeiros de direita, inimigos do proletariado e defensor dos magnatas. Na realidade ambos foram excrescências totalitárias que utilizaram de slogans enganadores e prejudicaram a nação como um todo, pelo abuso do poder que a todos ameaçava. Interessante é que os políticos atuais, necessitando do apoio das massas, ficam desnorteados a usarem esses rótulos estigmatizados por suas facinorosas ações anteriores. Para a massa devem apresentar-se como de esquerda, mas como conseguir apoio dos empresários de direita? Vê-se então surgir um novo rótulo: centro esquerda. 

Os romanos tinham o dístico: “Virtus in médio” – a virtude está no meio. Como o proletariado está muito distante do meio, resta colocar-se no centro esquerda. Seria conscientização da necessidade de apoiar com maior empenho aos pobres, sem amedrontar a direita. Na realidade, o que vemos é um corporativismo vergonhoso que não se preocupa com o que a História irá deixar para os pósteros, sobre eles, como aconteceu com os governantes nazistas e fascistas e posteriormente com os stalinistas e maoístas. Salvo raras exceções, os membros de nossos três poderes não se vexam de escancararem a falta de ética, de respeito aos seus representados e o interesse pessoal colocado acima de tudo. Há uma geral falta de decoro pessoal, funcional e política, com conseqüências desastrosas para a economia do país e para a educação cível de nossa juventude.

Outro rótulo, totalmente deturpado: NATAL.
Festa maior da cristandade, que conseguiu atingir até países não cristãos, mudou completamente o significado de sua essência. A comemoração do nascimento do menino Deus está totalmente equivocada. Ele veio para pregar a justiça, o amor entre as pessoas, o desprendimento das coisas materiais, enfim, tudo aquilo que os festejos atuais deixam de lado.

Das comemorações de meu tempo de criança, perdoáveis por sua simplicidade: Missa do Galo, sapatinho na janela ou ao pé da cama, castanhas, nozes, avelãs e vinho (pecados veniais), para o atual frenesi consumista, foi um salto que descaracteriza o espírito do rótulo inicial. Parodiando Fernando Pessoa: “Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade / Nem veio, nem se foi: O erro mudou. / Temos agora outra eternidade, / E era sempre melhor a que passou”, podemos afirmar que o novo deus é o mercado, seu templo o shopping, o ritual as compras frenéticas, a verdade, como saber? 
Se para muitos, ao contrário do que pensava o poeta, era pior o que passou, como serão os futuros natais de nossos netos?

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