O vento, em julho, revela agosto. Há um remexer de árvores que me convidam a olhar do alto onde moro para um aceno. O vento farfalheja a copa das árvores atapetando as ruas com suas folhas. Sopra, sopra. Soprando, varre. Varre as folhas, varre os frutos, oferecendo-me para uma comunhão com frutos, flores, folhas.Como sopra o vento! Toca o tempo movendo os dias em velocidade igual. Dá vida ao que está inerte, empurrando adiante o tempo que parecia dissolver o resto de sonho que resiste.
Julho, abrindo-se para agosto, faz ventarà beça. Ora, um diz-que-diz-que-macio; outras, umzunzunzum fortea esvoaçar cortinas e levantar poeira. De soprano à barítono em segundos solta a voz nas estradas.
Brisa leve, aragem fresca,voz deliciosa de contralto. No rastro do som, um assovio melodioso e repetido. Se mais forte, melhor ter Jonas Kaufmann cantando ópera nas caixas, em suas melhores performances, para empurrar longe, se houver, incômodo.Não se perca das estrelas, ainda que o vento as cubra de nuvens pesadas. Procure por elas. Estão lá. E se o cheiro forte de terra vem com vento antes da chuva, celebre bênçãos.
É agosto chegando. Em agosto, procure descobrir o olhar de Deus, no sol, na lua. Esteja certo, é Ele, sonhando a Seu gosto, o gosto do oitavo mês.
Atenção: ao sol pergunte: onde? No desfazer de julho, agosto vindo, o amanhecer responde. Daí que ovento, em agosto, me encanta, no coqueiro, nas árvores, na confluência das ruas. Certa feita, enamorado dos teóricos da linguagem, enveredei em tantos estudos que bem gostaria de ter podido entender o que me fala o vento. O professor exigia pesquisas e estudos sobre linguagem das abelhas, disto e daquilo e eu pensava comigo: e o vento, diz o quê o que conta?
Sou de agosto. Meus pais, na verdade, não queriam isto. Sonhavam o filho nascido em julho, num tempo em que nascer era vir ao mundo de modo natural. Para eles, importava, influenciados por presságios tolos, longe de agosto.
Onde estava minha mãe, de quem me orgulho ser filho, nasci. Não era Rio Claro nem Piracicaba, nenhuma das outras cidades ao redor. Dei sinal de presença, passados os meses de embaraço,em cidade que sinto não ser minha. Crescido, finquei pé na terra que meus pais amavampara fazer em azul os adolescentes dias. Daqui saí orgulhoso esparramando nos quatro cantos do mundo a caipirice da minha região, dado cultural de que gosto tanto e acato, proclamando seus pintores, seus escritores, seus poetas, seus músicos, como se não houvesse igual em nenhum outro lugar.
Quantos mostrei ao mundo! Rocco Caputo, Marilu Trevisan, Joca Adamoli, Renato Wagner. Este último, espírito liberto em benefício da arte, me pedia que levasse sua obra onde pudesse estar, dando-me a mim o prazerde parecer mecenas dos novos tempos, sem fortuna, mas desejoso de divulgar seu trabalho que encantava colecionadores e dava à galeria das embaixadas onde servi, enorme prestígio.
Tingi, nestes rincões, o céu e, nas savanas, na paisagem andina, nas barrancas do rio San Juan, nas proximidades dos Alpes Suíços, nos lagos belíssimos do norte da Itália, o verde das Florestas que nos circundam e encantam.
Conheci rios e oceanos. A água, abundante, bela, formavameandros que não me diziam tanto. Só os desenhos do velho ribeirão pelos caminhos do horto florestal ou a água a roçar pedras no Piracicaba brincavam com a saudade dos meus olhos. Também o Amazonas e o Velho Chico, na minha lembrança, de viagens que fiz entre suas margens refletindo a minha imagem.
O ribeirão, na cidade ao lado, estreito, fininho, ameaçando engrossar para insinuar-se rio e revelar onde o peregrino santo fez pousada entre bandeirantes para ver nascer e batizar a terra. Em Piracicaba, onde o peixe para, Antonio, o brilhante e jovem franciscano, sandálias nos pés, com seu Menino ao colo, ao lado do Véu da Noiva, falando aos peixes em lições de coragem, de liberdade, de justiça, de respeito a direitos que desaprenderam ou nem sabem disso, apesar de venerá-lo.
Quando me perguntavam minha origem, o sotaque acaipirado respondia: São Paulo. Brasil. Refazia assim o milagre da vidafazendo-me nascido aqui ou ali, ou lá ou acolá, mas em São Paulo, agradecido da brasílica condição de ter despertado em terra como essa para a vida.
Julho, no ano em que nasci, escapou do olhar de meus pais, como me foge agora. À medida que os dias se somavam, sonhavam o impossível porque desejavam ver-me explodir em julho, quando, então, com o nascimento, fariam o presente do presente, como ensina Agostinho, o Santo medieval, ao tripartir o tempo para melhor entender.
Vinguei em agosto, mal despertado o mês. Girassóis, Manacás, hortênsias em cor e luz pelos brasis. Os ipês, dando mais cor ao mês, demoram a estourar. Agosto começando, as tabebuias, com minha mãe, viviam a expectativa do novo. Naquele ano, como escreveu minha mãe, na primeira chuva, ela e eles floresceram e sorriram para a vida.
Entre julho e agosto, ao escrever, sinto saudade dela, de meu pai, quando, a seu lado, atravessava os dias. O presente do futuro se bem vejo, sem eles, foi dificultoso e triste demais em alguns momentos, mas por eles, soube vencer.
LEIA MAIS