Nem desconforto. Nem ânsia

Por David Chagas |
| Tempo de leitura: 4 min

Até quando isso, meu Deus? Quando termina? Encontrar-nos-emos quando tudo se encher de azul, e o ar estiver límpido, puro? Que nome dar a este mal que nos circunda e domina, a cada dia mais disseminado?

Se pesa a cabeça e dói o estômago e uma febrícula arrepia o corpo e os braços, o medo se assoberba. Nada parece menos, tudo é mais. Reprimido, o desejo incontido de um abraço. O carinho da mãe se interrompe no gesto. O beijo não dado e, se dado, capaz de trazer consigo, carga sem limites do mal que infecta e mata.

Entre nós, não bastava a violência que rodeia e mata? Sem falar do “sofrimento dos pobres crucificados e das criaturas deste mundo exterminadas pelo poder humano”, vil e ganancioso, sem encontrar entre iguais a misericórdia necessária para socorro e alento. A esse estado de coisas, se junta o mal do século destruindo vidas, sobretudo dos que não encontram forma de sobrevivência nem quem deles se compadeça.

Não é justo. Dias tão bonitos, e gente cabisbaixa a trotar pela rua, rosto amargoso, olhar aflito. Entardeceres marcados por beleza e cor, engolidos pelo medo que ronda noites de aglomeração e tumulto dos que, incapazes de refletir, não entendem. Motos amontoadas em passeios incautos,cortando paisagens, exigindo que habitantes da mata espreitem mitos que desconhecem.

Os índios do Xingu, da Amazônia, da Bahia, de São Paulo - de São Paulo? -, estes mesmos que foram aviltados dias atrás. Os ianomamis, os pataxós, os bororós, os jês, os karajás, admoestados. Quanto mal lhes tem sido feito ao longo de quinhentos anos e, agora, mais, muito mais. Não bastasse a maldita doença sobre eles, surgem espíritos do mal, dispostos a desrespeitá-los na sua primazia sobre o Brasil.

Tudo era deles antes do navio que ia e vinha sobre a estrada azul-anil. Não que devessem ter interrompido a história, a longa história do navio pelo Atlântico. Deveriam, isto sim, para lição aos pósteros, não permitir que levassem pau-brasil e nenhuma outra madeira nossa nem burlassem com estes “homens cor da manhã, filhos do mato, cheios de sol e de inocência”.

Agora, civilizados que somos – será mesmo verdade? – mais ainda queremos impor a visão de mundo trazida da Europa no início da colonização e, herdada de modo cartorial e impositivo, acreditar absolutamente verdadeira. Há quem suponha serem os índios e os negros e os que divergem do modelo imposto, inferiores, ausentes de quaisquer princípios de civilização e modernidade.

Por conta disso e de outros tantos males aboletados a este tempo que, ao despontar, tantos imaginaram possível a realização do desejo, a confiança do bem e da fé. Desanima esperar pela boniteza dos dias sabendo que nunca tanta coisa revelou o avesso do avesso como agora, fazendo do erro e da maldade, da destruição e do desrespeito, da ignorância e da subtração da ciência, verdade.

Nestes quase dois anos em que andar pelas calçadas proíbe encontros para conversas alongadas, troca de olhar, riso solto, quantos entenderam a necessidade da mudança? Quantos puderam sentir tudo fora de ordem, distante do sonho e da esperança?

A ordem é outra. Não se aproximar. Manter distância. Fixar a máscara com cuidado para não contaminar-se,impedindo com isso a presença do feroz inimigo. É tudo o que se tem a dizer neste instante em que alguém a quem se ama, chama e clama por um toque de amor ou de carinho.

Na memória, mais que antes, a visita incômoda de texto apocalíptico anunciando um novo céu e uma nova Terra, como se esperava antes e ainda não se mostra, porque o velho céu e a velha Terra sequer desapareceram, apesar da presença humana tentar de diferentes modos exterminar.

Bem poderia alimentar esperanças de ver surgir, sem tanta devastação e medo, além da promessa, a nova Jerusalém, esplêndida e bela, envolta pela névoa de inverno se abrindo para o sol e tendo no ar um cântico de louvor anunciando a chegada de Deus para estar, Ele, somente Ele, entre seu povo.

Este é o tempo que sonho nesta manhã e em outras. Ao sol de cada dia, me visto de esperança e anseio pela transformação do mundo. A seu lado. Alcanço o horizonte com o olhar e dou asas aos sentidos para que ultrapassem o limite imposto na busca da noiva vestida de luz à espera do cordeiro.

Até aqui, no entanto, a cada dia, o desconforto da expectativa. Quando não mais haverá lágrima e dor? Quando sentir a mão de Deus tocar a lágrima, interromper o choro, interromper a dor e fazer disso passado.

Maria, vestida de Luz e de Esperança extirpará a dúvida e fará conhecer outra vez o fruto de seu ventre. Passada a angústia, da Palavra deixada sobre o livro escrito com Verdade e Vida, tudo será cumprido. Alfa e Ômega, origem e fim.

Os incrédulos, os maldizentes, os covardes, os corruptos e os assassinos, os imorais, os bruxos, os mentirosos, a estes, Ele dará a decisão porque o tempo será novo, sem perguntas e com a esperada resposta para justos e dignos:Paz e Bem!

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