Martelo e prego

Por José Faganello | 16/06/2021 | Tempo de leitura: 3 min

“É preciso aprender a sofrer o que não se pode evitar” (Montaigne).
Reese Witherspoon, a Chery Strayed do filme “Livre”, no qual realiza uma viagem de quase 1800 quilômetros a pé, acompanhando a costa norte americana do Pacífico, passando por sofrimentos torturantes, na tentativa de reaprender a ser e existir, e repetindo como um mantra, a frase “prefiro ser martelo, não prego”, me fez escrever sobre uma singular sofredora.
No Rancho do Pica-Pau, pousada em meio a Mata Atlântica, lugar paradisíaco pelo silêncio, apenas quebrado pelo marulhar de um riacho de águas límpidas, dos cânticos dos pássaros e do bulício das crianças, nas piscinas de água corrente e toda espécie de árvores, conheci quatro mulheres que cuidam da despojada cantina. Elas cativam os comensais pelo sabor inalterado de seu cardápio diminuto, mas capaz de saciar e de despertar vontade de retornar no dia seguinte.
Entre elas, Dona Maria que, segundo as colegas ,é uma pessoa maravilhosa, mas muito sofredora. Seu marido a trai com uma amante. Desde que ele se aposentou, parou de trabalhar e, vive do dinheiro da aposentadoria sem colocar nada na casa.
Disseram também, que ela ama o marido e não se conforma com o desprezo que ele lhe devota, embora não abra mão de continuar morando num barraco de apenas um quarto, sala e banheiro; a cozinha fica num apêndice no quintal.
Enquanto almoçava na cantina deserta, conseguia ouvir a conversa das quatro. Aconselhavam Dona Maria a mudar-se para Portugal, onde tem uma filha que a convidou a ir morar com ela.
Outra alternativa seria pedir o divórcio. Como já tinha certa intimidade com elas, entrei na conversa e sugeri fazerem uma separação consentida.
Responderam que o marido não aceitava de forma alguma e que a história de vida de Dona Maria era uma longa jornada de sofrimentos. O marido já tinha sido viciado em drogas, o que levou um dos filhos a ser traficante e estar preso na Penitenciária de Hortolândia.
Na tardezinha do dia seguinte fui até a lanchonete e encontrei Dona Maria sozinha. Perguntei-lhe porque não largava o cômodo onde morava e partia com a filha, que está para chegar para vê-la. Após minutos de silêncio, disse-me que gostaria de ir apenas para visitar e conhecer outras paragens, mas, se fosse para ficar, temia que a filha a usasse como doméstica e não pudesse sequer sair para conhecer lugares, seu sonhado desejo.
Como sua colega Nilse havia comentado comigo que a filha era excelente pessoa, argumentei que, na cantina ela já fazia trabalho de maior duração do que uma doméstica e que segundo ficara sabendo a filha era de boa índole; acrescentei, arrisque ir, se não gostar, retorne.
Percebi que embora seu marido a faça sofrer e causa-lhe desilusão, ela prefere continuar dormindo com ele na única cama que há. Gosta do trabalho que faz e, além do mais tem o filho prisioneiro em Hortolândia, para o qual faz enorme sacrifício para economizar de seu parco salário, dinheiro suficiente para o combustível, (há um amigo do prisioneiro que a leva de carro, cobra só o combustível) e para levar guloseimas e cigarro.
Conheci incontáveis casos assim como este. Pessoas inconformadas com sua situação de vida, mas acomodados, sem coragem de tomar uma atitude.
Preferem continuar levando marteladas a deixarem de ser pregos.
Vivemos num país repleto de riquezas naturais, de clima, até agora, melhor do que a maioria dos outros países, no entanto, não somos capazes de exigir de nossos governantes, uma administração visando o bem público, o bem dos eleitores que os elegeram.
Os governantes agem como martelos, crentes de que podem fazer o que quiserem. Atingem a todos seus governados com suas marretadas que os atingem sem piedade. Dão-lhes migalhas em troca de escorchantes impostos.
Senti um fiapo de esperança ao me deparar com esta frase de Gandhi: “País algum se elevou jamais sem ter se purificado no fogo do sofrimento”
Pela paciência demonstrada até agora pelos nossos habitantes, mesmo vendo quem os estão prejudicando, sem nenhuma dor ou remorso, estão compactuando com nossos maiores, sem tentar livrarem-se de tantos castigos.

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