Quando a conheci pôs-se a falar do marido como se entendesse, com isso, que deveria, acreditando nela, dar-lhe razão ao que lhe movia o instante. Estava de mudança para onde eu vivia porque já não havia nenhuma possibilidade de reaproximação, além de encontrar, no ambiente de convívio familiar, quem se predispusesse, desde o início do processo da separação, a dizer dela tantos impropérios que já não suportava sequer lembrar-se da casa que juntos construíram. Para quem não sabia dela e menos ainda de sua origem, estranhou-me muito esta nossa conversa.
Ouvi com paciência, não sem sentir no amargar daquele instante um mal-estar raro. Assimilei conceito que bem poderia ter sido evitado. Não esperava ser interlocutor de matéria que pouco ou nada me interessava. Impregnaram-me os sentidos a catadura cínica, mordaz, malévola que revelava o peso desta alma.
Ali vivíamos eu e os outros todos que fizeram do espaço seu recanto, com relativa harmonia. Entre seres humanos, bom convívio é sempre relativo. Embora sejamos da mesma espécie, há uma certa inclinação, por certo oriunda da maçã, que move o homem a repetir, senão aquele episódio, o que dele restou. Uma vez entregue a este mal só resta seguir observando quantos de tantos destilarão veneno ao longo dos dias e em que quantidade.
Houvesse alguma pergunta inicial antes do processo da criação, ter-se-ia cobrado forma de comportamento que desse ânimo à vida, lustrando coração e alma, forjando caráter, ensinando a que fosse o homem melhor para consigo mesmo e com o outro. Ninguém deveria trazer a condição – será mesmo condição? Ou conduta? – de deixar perceber, em cada gesto, em cada palavra dita, em cada ação, o quanto instila de mal, capaz de despertar a cada instante mais e novas inquietudes, revelando angústias e dramas.
Dia destes, a mesma personagem protagonizou cena de desrespeito e humilhação, valendo-se da singeleza dos antagonistas para expô-los à miséria humana. Pintou e bordou. Quando os sentiu entregues a sua humílima condição passou a falar das tabebuias deixando-os perplexos sem saber ao certo o que se identificaria com palavra tão distinta? Os mais simples, entusiasmados com o que dizia e, sem saber ao certo a que se referia, acabaram, a duras custas, por descobrir tratar -se, da flor da estação enchendo de beleza e encantamento a cidade.
Nossa! Não sabem de que se trata? Pois as ruas da cidade andam cheias delas. Tornam, não discordo, a cidade mais bonita e agradável, para, em dois ou três dias, inundar o chão de flores velhas. Um ó de tristeza e desilusão se fez ouvir entre todos.
Por sorte, um deles, sem hesitar, veio em defesa dos ipês floridos. Revelou-se encantar com estas flores nossas, nestes dois últimos anos, responsáveis por fazer bem maior que antes ao amenizar o mal que assola o mundo. A defesa da planta tocou-lhe os bofes. Nada que pudesse ser lição definitiva. Bastou, no entanto, para revelar-se e permitir transparecer o mal que a aflige.
Não gosta de ipês. Queria tão somente exibir-se em qualidades que não tinha nem era necessário evidenciar. Como pode alguém não gostar do que oferece a natureza, em especial, neste momento de solidão e medo. Mal termina maio, disse, e esta explosão de floresa deixar marcas pelo chão.
A discussão ficou tensa. Tanto pior quando se pôs a elogiar ação do Planalto derrubando árvores, atacando índios e outras tantas minorias e desrespeitando biomas, meio ambiente, vida. Com ar de superioridade, seguindo modelo em evidência, revelava aparente calma ao defender ideia transversa por ver estas árvores capazes de mudar o cenário entre maio e setembro, pintando espaços numa ordem de cores e atapetando o chão.
Mais parecia, lhes digo, personagem maldita de Dalton Trevisan, alimentada pelo mal que traz consigo. A angústia do momento, vinha dela. O drama era nela e a insatisfação com a vida, alimento de sua alma.
Dos ipês floridos, num atropelo de palavras,passou a detestar os pássaros destas manhãs de outono, muito mais discretos que os da primavera e verão quando, felizes, se reencontram ao sol para dar prosseguimento às diferentes espécies que dão à vida, vida.
Detesto!!Vociferou azoretada, mal amada por si mesma. Sujam carros, irritam transeuntes, sujam ainda mais as cidades. Se pudesse, matava-os todos. Não há beleza nem alegria nisso. Se não suporto o galo que anuncia, em canto solitário, o amanhecer, como tolerar este rumor de aves em tons distintos nas penas e sons diversos na voz?
Conto-lhes estas histórias, reais, lhes garanto, para que juntos busquemos ver as múltiplas possibilidades do encontro consigo mesmo, tão bom, tão grandioso a ponto de ter igual dimensão e a mesma alegria dada à descoberta da real existência de Deus. Se ego dialogasse com o arquétipo da imagem do criador de todos os seres , quanto se aliviaria do amargor que nos envolve a todos. Nova visão de mundo e de nós mesmos. Cada um, um. Todos em estado de singularidade profunda.
No fim da jornada, flores e folhas no chão, entenderíamos que bastaria ser, em si, para voltar a ser por inteiro no despertar da esperança.
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