Quem monitora o STF?

Por Érica Gorga | 30/05/2021 | Tempo de leitura: 3 min

O Supremo Tribunal Federal acaba de anular a homologação do acordo de colaboração premiada do ex-governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, com a Polícia Federal. Cabral havia feito acusações contra o ministro Dias Toffoli, dizendo ter conhecimento de pagamentos de R$ 4 milhões em troca da venda de decisões judiciais favoráveis a dois prefeitos fluminenses que apresentaram recursos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde Toffoli tinha assento, contra a cassação dos seus mandatos.

Em 2015, o TSE havia rejeitado por 4 votos a 3 o recurso do então prefeito de Volta Redonda, mas no novo julgamento que ocorreu dois meses depois, Toffoli mudou a orientação do seu próprio voto em embargos de declaração, revertendo o placar em favor do prefeito de Volta Redonda, por 4 a 3. Em outro caso, no mesmo ano, Toffoli concedeu liminar favorável à prefeita de Bom Jesus de Itabapoana. O ministro acusado negou ter recebido qualquer recurso ilícito para proferir essas decisões.

Esperava-se que 2 dos 11 ministros do STF se declarassem impedidos de julgar a delação de Cabral: Dias Toffoli, por ser o próprio acusado pelo ex-governador, e o ministro Luiz Fux, que afirmou conhecer Cabral, o qual influenciou sua nomeação para o STF em 2011.

No entanto, após os votos dos ministros Lewandowski, Fachin, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Nunes Marques, tanto Luiz Fux quanto o próprio Toffolli votaram pela anulação do acordo de Cabral, levando ao placar final de 7 a 4.

O ministro Marco Aurélio, que decidiu contrariamente à maioria da corte, criticou o fato de o colega ter votado: “Eu, no lugar dele (Toffoli), teria me declarado impedido … Julgar em causa própria é a pior coisa para o juiz. Por isso é que o Supremo hoje em dia quase não é levado a sério. Isso é péssimo em termos institucionais.”

De fato, vai se acentuando a percepção de que os ministros do STF não respeitam as normas do ordenamento jurídico brasileiro no que se refere à sua participação em julgamentos nos quais têm flagrante conflito de interesses. Nem individualmente, nem em grupo, já que o colegiado da corte permite as decisões individuais questionáveis.

Existem normas expressas na legislação brasileira para o impedimento de juízes quando são diretamente interessados no feito, ou quando figurem como parte no processo. Também existem normas prevendo o impedimento para que juízes não julguem partes que sejam clientes do escritório de advocacia do seu cônjuge, companheira ou parente. Pode se dar por suspeito o juiz que é amigo íntimo ou inimigo capital da parte. Todavia, em todos esses casos previstos em legislação, vários ministros do STF têm desconsiderado tais normas.

A Lei 1.079/1950, que define crimes de responsabilidade, determina que “são crimes de responsabilidade dos ministros do Supremo Tribunal Federal: 1- alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal; 2- proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa.”

Não há dúvidas de que alguns ministros do STF já incorreram nestes casos dispostos na lei em algumas ocasiões recentes. Alguns ministros, aliás, já incorreram nos dispositivos citados por mais de uma vez.

Como se sabe, cabe ao Senado Federal, pelo art. 52 II da Constituição Federal processar e julgar os ministros do STF nos casos de crime de responsabilidade, situação nunca ocorrida em nossa democracia. Seria o STF o único órgão impoluto da República? Enquanto o Executivo e o Legislativo são fiscalizados e julgados, até quando o STF passará incólume a qualquer monitoramento?

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