A lua. Azul de quando em quando...

Por David Chagas |
| Tempo de leitura: 3 min

DAVID CHAGAS

Conto? Causo? Não importa. Entenda como quiser. Tudo aqui é verdade. Se não aconteceu, senti. E quando trato disto com quem participou por estar comigo ou por ter sabido das experiências vividas, sou quem não permite perder detalhe. Como pude guardar tanto, neste meu já avantajado caminhar?
Ao revisitar a lembrança, escarafuncho, à procura do essencial. Revejo e sinto, como se o momento retomasse seu lugar no instante de agora, sem manifestar melhor entendimento ao já vivido. Também não se ergue em mim sentimento que possa seguir junto àquele, unindo-se, aclarando, sem que pareça transgressão da verdade sensível.
Não me aventuro no passado, esteja certo. Nem quero viver dele. Gosto mesmo é de remexê-lo porque alongo no tempo o tido, o ido, o visto, para fazê-lo chegar aqui, burilando o inconsciente. Se bom, divirto-me uma vez mais. Se triste, trato de aprender com a angústia e o sofrimento que sinto repetir-se.
Desejava vida mais longa a Freud para estar certo de que juntos poderíamos ter percorrido um tanto de vida, ele, lá; eu, aqui. Mas não. Tratou de ir-se muito antes de me terem dado a viver, deixando-me, apenas, textos que me envolvem de tal forma obrigando-me a recorrer a seus seguidores para entender melhor o que busco.
Quando vivi na África, encontrei nas noites livres oportunidade para ler e pensar melhor acerca disso, em especial nas que, admirando o Índico, da sacada de meu apartamento, me deparava coma lua se espelhando nele. Nunca soube ao certo se o encantamento se dava na leitura ou na lua e sua clara presença. A cena obrigava-me a revirar a memória na tentativa de desfazer o traçado de labirintos em que me perdia à procura de mim.
A lua, para o sujeito ainda menino, um de seus mais significativos sinais, despertava-me situações ditadas pelo inconsciente. Naquilo tudo, pouco ou nada sabia. Era a prevalência do sonho, do instinto, do desejo.
Revisitava os anos em que vivi longe da cidade, longe da vida confortável da cidade,sempre que a voz materna me chamava a sair à noite para lugar determinado,aventura que me desgostava. Se havia lua e sob sua luz, sem lanterna que me indicasse caminho, bom erafazê-la companhia.
Via. Mais que ver, sentia. O menino se encantava com sua própria sombra, com a sombra das árvores que se esparramavam ao longo do caminho, com as imagens retorcidas projetadas nas paredes. Olhava-a sem cessar porque era ela que me alumiava o caminho.
Cresci. Ao vê-la em qualquer de suas fases, tinha sempre a certeza de encontrar na luminosidade do astro, a prevalência do sonho, do instinto, do desejo incontido, de sabê-la “mãe, irmã e filha de todo esplendor”. Velho que estou, segue-me encantando. Desperto para estar com ela, para falar-lhe, para roubar dela a energia que me falta.
Não por acaso encontra forma de chamar-me a vê-la quando seu rastro de luz se esparrama pela seda azul ou quando se mostra num rasgo de janela entreaberta, acenando. Espia-me um pouco ao desanuviar-se e trata de encontrar a fresta para dar-se a perceber, metendo-se adentro, não ela própria; o luar. Permanece pouco. Sai, então, deslizando na imensidão azul, solitária e por tentosa.
Para entender, me debruço em Lacan procurando seguir a via da razão e do pensamento. Por vezes, quando motivo qualquer me obriga a passar à beira de um rio ou de um lago, observo que se lança como está sobre as águas para fazer-me entender o estádio do espelho refletindo sua beleza e tentando atrair-me para entregar-me a chave de todos os mistérios. Insinua entender-me. Ou insiste para que desvende os mistérios? Não consigo.

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