Fosse eu rei do mundo...

Por David Chagas | 10/05/2021 | Tempo de leitura: 3 min

Maio traz entre seus dias,um, que provoca recordações doídas para quem já as perdeu para Deus. Há, também - e muitas! - lembranças felizes. Falta, no entanto, o toque, o bendito toque que garante presença ou, como bem dizem os nordestinos, oportunidade dum cheiro, dum beijo afetuoso para contornar dor e medir febre.

Quem as têm, todos os dias, em casa, para o café da manhã, ou, perguntando e perguntando, num almoço mais demorado em família, a saber como transcorre o dia, ou, ao fim da tarde, no jantar, no horário bom em que a noite começa,saberá avaliar o valor da abençoada presença.

Bom seria que não se fizesse dela um mito. Que não fosse tratada como santa em dia de celebração num domingo como este de maio, data para festejar a graça da maternidade. Os dias do ano são seus e ela deve pontificar neles porque o estar nela durante a concepção e o estar junto dela a partir do instante da luz, deu-nos a possibilidade de reconhecer nosso lugar no mundo.

Tento fugir das teorias psicanalíticas já lidas, embora esteja de acordo com muitas delas, porque quem me lê pode desejar fazer do dia comemoração festiva, amorosa, carregada de sentimentos não revelados, espécie de compensação, de arrependimento, de perdão necessário por reparar erros cometidos. Somos humanos. Para quem não soube fazer bom cada dia vivido ao lado dela, parece complicado não enaltecer o segundo domingo de maio como momento de festa, entrega de presentes, almoço em família, coisa e tal em aparente reparação.

Se me perguntam ter festejado a data, confesso que sim. Minhas irmãs e eu cantávamos canções, almoçávamos festivamente e dávamos presentes. Foram poucos anos para tudo isso. Minha mãe se entregou muito cedo aos braços de Deus. Mas guardamos conosco algo de que nos orgulhamos muito ao sabermos que, no seu ambiente de trabalho, comentava não precisar de dia especial para sentir-se mãe, porque os tinha no calendário como seus, tanto se sentia amada.

Neste tempo de vitrines cheias de ideias para presentes, de insistentes apelos de marketing, alguns de beleza inquestionável, outros evocativos de seu amor, de sua ternura, gosto de refletir sobre um poema de Cida Bilac Jorge em que agradece, sobretudo agradece, a presença da mãe em seus dias. Numa linguagem singela, obriga-se a evidenciar quanto foi bom ter nascido dela, vivido a seu lado e descoberto a vida por seus olhos.

Diz a poetisa: “Minha mãe, muito obrigada pela vida que me deste. / Pelo ideal./ Pelo teu amor terno e imortal./ Por tudo o que é bom em mim e que de ti meio./ Pela ternura sem par que derramaste em minha vida/ e ainda persiste após tua partida.”

O poema segue. Com igual correção, com delicada finura, revelando pungente saudade, carinho, amor imenso, tantos sentimentos que esta senhora,a quem não importa ou não deveria importar a data,faz brotar já que, puérpera, explode de amor por sua cria.

Eu, por exemplo, bem gostaria de ter a carícia das mãos de minha mãe suavizando-me o peso da vida, ensinando-me a viver este ocaso que ela mesma não conheceu. É o que sinto nos momentos em que a saudade toca fundo e uma voz como a dela se faria necessária para aliviar a dor e indicar o caminho.

A quem devo dirigir-me agora para falar das marcas, dos espinhos, das lembranças? Se bem entendo, é quem lhe pode entregar, num dia como o de hoje, a gratidão que sinto por tê-la mãe, mestra e guia.

Minha mãe: Deus lhe pague!


Imagem: stockking

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