Outono

Por José Faganello | 14/04/2021 | Tempo de leitura: 3 min

“Repara que o outono é mais estação da alma que da natureza”. (Carlos Drummond de Andrade)

Habitantes de um país tropical, não poucas vezes, deixam de sentir diferenças significativas nas chamadas estações do ano. Os de países temperados não têm como não diferenciá-las.

Talvez por isso, os sentimentos provocados pelas mudanças climáticas afetam, de maneira diversa, uns e outros.

Shakespeare, da fria Inglaterra, em seu soneto LXXIII dá-nos ume exemplo: “Em mim tu podes ver a quadra fria / Em as folhas, já poucas ou nenhumas, / pendem do ramo trêmulo onde havia / outrora ninhos, gorjeios e plumas”.

Verlaine, de uma França menos gélida, não deixou por menos, ao versejar sobre o outono: “Os longos sons / dos violões / pelo outono / me enche de dor / e de um langor / de abandono”.

Nesse início de outono, tive como acredito que muitos outros tiveram sensações bem diferentes.

Esse entremeio entre verão e inverno me faz ver um esplendor diferenciado da natureza.

Talvez, estimulado pela carícia da aragem, comecei a observar a magnificência  das lições da natureza nesse início de outono.

O belo cenário mostrou-me que aos 82 anos estou no outono da vida. Não me senti deprimido, pelo contrário, transbordei de contentamento, pois num rápido balanço pude constatar que entre perdas e ganhos, fui, até agora, um felizardo.

Ouvi todas as músicas que desejei, li incontáveis poesias e muitos, mas muitos mesmo, livros admiráveis; embora perdi pessoas que amei e  me fizeram feliz, conheci outras, construí sonhos, muitos realizados, a maioria não. Visitei lugares com os quais sonhava em minha infância e juventude, mas julgava-os inacessíveis. Há muitos outros, que hoje desejo conhecer e não consigo. Ri bastante, também chorei muito; pratiquei vários esportes, todos com razoável desempenho; tive amigos que não eram amigos e outros que os são de fato Lecionei por 45 anos, sempre com prazer e paixão. É indescritível a satisfação de ter uma legião de alunos que venceram na vida, superaram o mestre e são hoje, cidadãos prestantes.  Revi conceitos, corrigi muitas falhas, espero errar menos e melhorar minhas qualidades. Aprendi com Johnn Shedd que: “Um barco está seguro no porto, mas os barcos não são feitos para isso”, portanto, não devo temer enfrentamentos. Pelo exemplo de meus pais e sogros, constatei que um casal é verdadeiramente feliz quando vivem um para o outro.

Vi, naquelas folhas caídas no caminho, como em meus cabelos também, o ciclo implacável da natureza, a brevidade de nossos dias, a velocidade alucinante do tempo.

Todos os que estão no outono de suas vidas alegrem-se, pois a longevidade está em alta; ao sentirem os achaques da idade, no lugar de lamentarem-se, pensem qual seria a alternativa. Portanto, nada de pessimismo, mesmo com comentários negativos sobre nossa passagem sobre a Terra.

Se lamentar não devemos, é bom tomar conhecimento do admirável comentário de Homero, poeta grego do IX século A.C, autor da Ilíada e Odisséia. Vejam o que escreveu: “Curta é a vida humana. Quem é cruel e só pensa em barbaridades, todos os mortais o amaldiçoam em vida e, após a morte, todos se alegram. Mas o nome de quem vive sem mácula e só cuida de praticar ações irrepreensíveis é espalhado ao longe, entre os homens”.

Pena que grande parte de nossos políticos não penncissam desta maneira e com a Coronavirus ceifando bons e ruís como as folhas do nosso outono.

Marco Aurélio imperador romano em seu livro “Epigramas”escreveu: Não desprezes; dá-lhe boa acolhida, como a uma das coisas que a Natureza quer”.

Francis Ponge disse: “É pela morte, as vezes, que um homem mostra que era digno de viver”.

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