BUROCRACIA

Por José Faganello | 31/03/2021 | Tempo de leitura: 3 min

“Quando alguém respeita exclusivamente o que se parece consigo, só se respeita a si mesmo. Recusa as contradições criadoras”. (Antoine de Saint Exupéry)

Tinha como esperança que no século XXI a humanidade levasse, inevitavelmente, a descobertas incríveis, e, de uma maneira especial, conseguisse provocar magnânimos sentimentos, que conduzissem à paz, à dignidade e banissem, tanto quanto é possível, o sofrimento.

Caso contrário, a vida humana perde cada vez mais seu individualismo, é obrigada a uma massificação, na qual fica sem sua dignidade individual e passa a procurar-la no grupo. Não poucos apelam para o sobrenatural e passam a sentir-se seguros nas verdades reveladas à sua comunidade, pois o simples fato de crer, lhes dá o aval da certeza dogmática.

 O interessante é que essa constatação dá-se, não apenas em termos macro, como no individual. Confrange qualquer um perceber que essa invasão do mal veio, insidiosamente, de longe. Uma de suas manifestações é a burocracia.

Essa terminologia, inventada por Gournay na primeira metade do século XVIII, supostamente é o tipo melhor de organização formal da sociedade moderna, caracterizada pela legitimação hierárquica da autoridade, com responsabilidades atribuídas a funcionários de segundo e terceiros escalões. Fica nas mãos deles as informações que nortearão os julgamentos, daqueles que administram do topo da pirâmide organizacional.

 Terrível é a sina do homem sem padrinho, sem cunha e com burocratas hostis a ele; então, mesmo tendo por recomendação um grande mérito, para fazer luz à obscuridade, descobrirá, que aqueles que o comandam ou tem sobre ele poder, quase nunca percebem seus méritos. Tinha razão Montesquieu quando afirmou: “o mérito só existe, se enaltecido por outros”.

 Uma organização sempre tem, como necessário, um aparato administrativo para que desempenhe a contento suas funções. Ao longo de sua carreira, passou a perceber como, mesmo as coisas tidas por necessárias e boas, são avassaladas pelo mal. Esse mal se manifesta por inúmeros tentáculos, como: exagero de normas e regulamentos, ineficiência administrativa, desperdício de recurso, impessoalidade, imposição de autoritarismo (síndrome do pequeno poder).

Ao iniciar sua carreira, o funcionário sente-se feliz, honrado com seu posto e traça mentalmente sua ascensão e desenvolvimento pessoal. Aos poucos percebe que está num implacável liquidificador, manuseado impiedosamente, em geral, por obcecados em demonstrarem o quanto podem.

Não há preocupação com o bem estar do funcionário, apenas com o funcionamento imutável da empresa. Ele se desespera por ser hostilizado, quando combate o exagerado apego aos regulamentos retrógrados. Assiste estarrecido a resistência às mudanças, a busca da despersonalização e a exibição cabotina do autoritarismo.

Mortifica-se ao ver-se envolvido por um sistema regido pela rotina e procedimentos, não em função dos objetivos que foram realmente estabelecidos.

Sabe que cada pessoa é diferente da outra, demorou-se a descobrir, no entanto, preocupado que sempre estava com seus afazeres, que apenas os áulicos são premiados. Lembrou-se que viu uma vez, quando pequeno, seu avô indignado exclamar, “como podem aturar essa desfaçatez – aos amigos tudo, aos desafetos a lei com todo seu rigor”.

Para ele, sempre preocupado com o civismo e a ética, crente num século 21 redentor, no qual reinaria a paz, a real justiça estendida a todos, vê a degringolada dos valores éticos, do companheirismo, da valorização do mérito, percebe que os portadores de reais valores tornam-se demasiados incômodos e são desprezados por serem anacrônicos. Embora conheça sobre a lei do retorno: tanto o bem como o mal que se faz nos retorna, em geral em dobro; mesmo assim não se sente confortado, mas terrivelmente deprimido.

Leia Mais:

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.