Sementes

Por José Faganello | 10/03/2021 | Tempo de leitura: 3 min

“Como tiveres semeado, assim ceifarás” (Cícero -106-43ª. C.).

Numa pequena fresta do piso de meu cimentado quintal, brotou um mamoeiro. Surpreso deduzi: a semente só pode ter sido trazida por passarinho ou pelo vento.

Poucas casas atualmente possuem grandes quintais como os de meu tempo de criança, pois tive a ventura de usufruir dos apreciáveis espaços, tanto da casa de minha vó, como de nossa casa.

Minha avó possuía o dom de o que plantava vicejava e, em seu belo jardim fronteiriço conseguia combinar harmoniosamente roseiras, lírios, cravos, violetas e mais algumas flores que me fogem da memória.

Seu quintal, que se estendia quase até o outro lado da rua, era ocupado por generoso pomar, onde meus primos e eu podíamos nos fartar dos frutos das variegadas mangueiras, dos pés de jabuticaba, bananeiras, laranja lima, mexerica, fruta do conde e canteiros de morangos.

O quintal de minha casa, embora espaçoso, era menor; nele, além de uma cocheira para três equinos e um espaço para se movimentarem, havia duas videiras, plantação de mandioca e, na cerca do fundo, um pé de maracujá daqueles grandes e de polpa bem doce.

Esses ambientes eram frequentados por borboletas e por muitos pássaros. Eles nos faziam gozar de um ambiente bucólico dentro do perímetro urbano.

Esse introito foi fruto de inesperada nostalgia, despertada pela frase do imortal tribuno romano Cícero, da qual brotou este tema que hoje desenvolvo. Espero que meus netos e meus jovens leitores tomem conhecimento de como era nossa infância, pois muitos de nossos vizinhos desfrutavam de semelhantes condições.

No entanto, a frase de Cícero, alicerçou o real escopo desse artigo, que é sobre o clima escolar e familiar nos dias de hoje.
Afastado há 14 anos do magistério, em todos os encontros com ex-colegas que ainda estão na ativa, ao perguntar como anda o ensino, invariavelmente recebo comentários preocupantes, principalmente o: ”ninguém está interessado”.

Na segunda feira ao perguntar para a professora que saia da escola, apenas após ter ministrado três aulas, como tinha sido, respondeu-me com visível mágoa: numa classe precisei colocar um aluno para fora da sala, na outra, fiquei uns 10 minutos calada para que os alunos percebessem que se não parasse com o falatório generalizado não poderia desenvolver meu trabalho. Perdi mais preciosos minutos tentando conscientizá-los de que ninguém nasce sabendo e que eles frequentam a escola para aprender, para tanto precisam querer e com esse comportamento demonstram não quererem nada de ensinamento

Lecionei em várias escolas boas, nas quais a maioria dos alunos queria aprender e passar no vestibular para conseguir a almejada meta que tinham traçado. Ao sair o resultado dos vestibulares, no entanto, apenas 5% conseguiam passar na Faculdade que de fato buscavam.

Se esse comportamento de descaso para com o ensino, desprezando a disciplina, o estudar com afinco, a leitura, a busca por adquirir um vocabulário elaborado (chave para entender os textos), dificilmente irá diminuir o exército de analfabetos funcionais, que só faz aumentar. Malba Tahan foi categórico: “A pessoa que não lê/ mal fala, mal ouve, mal vê”.

Esses alunos jamais lerão Castro Alves que sobre os livros escreveu: “… O livro caindo n’alma/É germe- que faz a palma/É chuva – que faz o mar”.

Os professores são semeadores, suas sementes só frutificarão se o aluno estiver receptivo; aquele que não deixar cair sementes do saber em si, nada de bom nele germinará, a não ser ervas daninhas.

Nesses dias os professores e os alunos estão completamente atrapalhados. Como aprender no meio dessa confusão.

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