Clássicos

Por José Faganello | 03/03/2021 | Tempo de leitura: 3 min

“Um clássico é algo que todo mundo gostaria de ter lido e ninguém deseja ler”. (Mark Twain – O Desaparecimento da Literatura)

João Bosco era um professor culto, dominava muito bem o idioma português e nos fazia gostar de suas aulas, embora fosse muito meticuloso.

Dava uma redação por semana. Tínhamos dois cadernos, ao entregar um com a redação recebíamos o outro já corrigido e com a devida nota.

Costumava chamar dois dos alunos com as melhores notas, para lerem suas redações para a classe e, assim, estimular a todos a tentar ser um próximo felizardo.

Graças ao meu hábito de procurar no dicionário toda palavra da qual não tinha certeza do real significado, fui adquirindo um bom vocabulário e, como ele nos dizia: “cada palavra apreendida é um cabide no qual podemos pendurar uma ideia”, acabei conseguindo grande facilidade para redigir.

Confesso que sempre fui despreocupado com a correção de meus textos. Escrevia muito rápido e não me dava ao trabalho de revisar. Ao perder preciosos pontos na nota pela implacável minúcia do professor, passei a fazer três rascunhos antes de passar a redação para o caderno.

Certo dia recebi um nove quando esperava 10. Não me lembro mais o título da redação, mas o erro apontado nunca mais esqueci – comecei o texto com: “Tendo Édipo”. O tendo inicial veio com um xis vermelho valendo -1.

Após terminar a aula fui questioná-lo. Ouviu-me pacientemente e com sua peculiar suavidade, disse-me que não se pode começar um frase com o gerúndio.

Uma semana antes tinha participado de um concurso promovido, se não me engano, pelo Jornal Globo do Rio de Janeiro. Consistia em achar palavras cruzadas preenchendo o quadriculado exposto no Jornal. Cada letra tinha um valor, as de maior valor eram o te e o xis.

Apoderei-me dos cinco volumes do Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, autoria do português Caldas Aulete. Era uma edição da Editora Delta S.A, revisado e adaptado para o Brasil por Amílcar de Garcia e Antenor Nascentes.
Este dicionário, além dos sinônimos é pródigo em exemplos em citações dos clássicos.

Para achar palavras para meu concurso, ficava o tempo todo inventando palavras de preferência com letras te ou xis. Ia anotando num caderninho e procurava no dicionário se elas existiam. Fiquei perito nas palavras com a letra te e xis.

Abri o dicionário e anotei apenas um exemplo de frase iniciada por gerúndio. É uma citação do fantástico orador que foi o Pe Antônio Vieira: “Tendo . . . notícia do que Daniel havia dito e feito . . .”, e levei até ele. Olhou, ficou com ar de incrédulo e respondeu-me que Vieira é um dos clássicos e aos clássicos as vezes é tolerado inovações.

Passado um mês veio até mim com uma carta na mão, entregou-me e pediu que a lesse. Era a resposta que recebeu do Antenor Nascente, renomado filólogo, etimólogo, dialetólogo e lexicografo brasileiro, além de revisor do dicionário Caldas Aulete.

A resposta a sua consulta foi: “Tanto faz Tendo Édipo como Édipo tendo”. Pediu-me desculpa e mostrou-me que era consciencioso.
Saiu na Folha de São Paulo um artigo de Marco Rodrigues de Almeida sobre o livro “Historia da Literatura Ocidental sem as Partes Chatas”, escrito por Sandra Newman.

Nesse livro, além de breves textos biográficos sobre os autores clássicos, ela faz resumos sucintos e irônicos sobre as obras apontadas; em sua visão, o que merece ser lido é o que merece ser descartado. O título na Página Ilustrada da Folha é – “tortura literária”.

Já foi tirado de nossa atual juventude, o conhecimento da Música Clássica, agora, esse livro vem reforçar a aversão dos vestibulandos para com os clássicos. As músicas, mais tocadas atualmente, são intragáveis.

Achei nos meus guardados esse artigo e achei que devia ressuscitá-lo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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